Texto de apresentação do dossiê "Feminismos e a crítica do/ao Direito".&nbsp

Oliveira, Anderson Eduardo Carvalho de

Silva de Arruda, Jalusa

Silveira de Carvalho, Natalia

Portuguese

Portal de Periódicos da UFBA

  1  www.feminismos.neim.ufba.br    ISSN: 2317-2932   Vol 10, N.2 e 3, maio-dez 2022     e10222014     APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ I: FEMINISMOS E A CRÍTICA DO/AO DIREITO  Organizadores: Anderson Eduardo Carvalho de Oliveira1 Jalusa Silva de Arruda2 Natalia Silveira de Carvalho3  O processo de redemocratização do país nos idos de 1980 foi marcado pela ampla mobilização para mudanças legislativas com vistas à implementação de direitos relacionados à cidadania. A incidência política patrocinada por movimentos sociais e setores da sociedade civil provocou pautas relacionadas aos Direitos Humanos de diversos segmentos sociais que culminou na inserção de direitos específicos para mulheres, negros, indígenas, crianças e adolescentes, trabalhadores rurais, dentre outros, no texto da Constituição Federal promulgada em 1988.  Porém, as heranças históricas do colonialismo e da escravidão não permitiram que a população negra alcançasse a condição real de sujeito de direito, cujas pautas, por muito tempo, foram negligenciadas tanto por parte dos feminismos como por grupos progressistas brasileiros. Outrossim, a herança patriarcal, estruturante da nossa sociedade, empreendeu obstáculos para a ampliação da conquista de direitos pelas mulheres, assim como a cisheteronormatividade, aqui compreendida como estrutura de poder, igualmente impediu que a população LGBTQIA+ alcançasse a cidadania plena. Paralelamente, análises voltadas a compreender o modo de produção capitalista ocidental denunciam o papel do Estado e do Direito, mesmo em sua roupagem de Estado Democrático, na escravização e no empobrecimento de populações e limitação de acesso aos recursos naturais, como a terra e a água.  1Advogado e doutor em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos pela Universidade Federal da Bahia. Pesquisador associado do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM/UFBA). 2 Advogada e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus XV e pesquisadora associada do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM/UFBA). 3 Advogada e mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos pela Universidade Federal da Bahia. Doutoranda em  Direito pela Universidade Federal da Bahia.   2  www.feminismos.neim.ufba.br    ISSN: 2317-2932   Vol 10, N.2 e 3, maio-dez 2022     e10222014    Dentro desse cenário, o Direito ainda é tomado como um campo em disputa, uma vez que os feminismos buscam romper a lógica patriarcal, racista, capitalista e cisheteronormativa de organização da sociedade. Abordagens feministas, em suas diversas linhas, constituem um importante instrumento para pensar o Direito, sobretudo na desconstrução de sua representação como técnica de controle social neutra, universal e abstrata, embora ainda marginalizada pelo pensamento jurídico hegemônico no Brasil. A partir de diferentes perspectivas e objetos de análise, os artigos reunidos consideram criticamente a relação entre feminismos e o Direito para demonstrar como epistemologias feministas podem produzir reflexões sobre o Direito e as instituições jurídicas, bem como demonstram linhas de investigação possíveis que podem se dar sem o direito como também com o direito, valorizando investigações de cunho interdisciplinar.  O artigo escrito por Thaís Lopes Santana Isaías e Gabriella Sabatini Dutra, nomeado Mulheres com deficiências e mulheres de ocupações: reflexões interseccionais sobre identidades e direitos, aborda experiências de mulheres com deficiências e de moradoras de ocupações urbanas, a partir de uma perspectiva interseccional para estabelecer debates em torno da relação entre identidades e Direito. As autoras refletem como discursos e práticas capacitistas, racistas, patriarcais e classistas, frutos de processos históricos de subalternização e reproduzidos pelo Direito, desdobram-se em processos de negação de direitos. Em vista disso, buscam analisar como as mulheres se unem em processos de resistência e de afirmação de si mesmas como sujeitos de direitos e de produção do Direito. A partir de relatos e da adesão às metodologias que valorizam as experiências (as experiências subalternizadas), o texto convida ao rompimento de narrativas acadêmicas tradicionais para abrir espaço à voz das mulheres. Ao modo de conclusão, elaboram que desvendar a ligação dos discursos e práticas do Direito com os interesses políticos de quem o conduz é necessário para situá-lo na conjuntura de disputas sociais que, ao fim, operam como elemento de dominação. Para esse propósito, advogam pela problematização das noções de neutralidade e racionalidade do Direito. Mulher, gênero e apagamento: as disputas de sentido nas leis de enfrentamento à violência contra as mulheres, escrito por Gabriela Perissinotto de Almeida, parte de pergunta que sugere o questionamento da efetividade da proteção das mulheres por meio de leis de enfrentamento à violência, considerando qual “mulher” os instrumentos legais   3  www.feminismos.neim.ufba.br    ISSN: 2317-2932   Vol 10, N.2 e 3, maio-dez 2022     e10222014    protegem, assim como qual a imagem de “mulher” presente nesses mesmos dispositivos. Debruça-se especialmente sobre a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) e, para tanto, utiliza a análise de discurso de Michel Pêcheux como método de análise. A autora conclui que as marcas linguísticas observadas indicam, no caso da Lei Maria da Penha, um perfil de mulher branca, de classe média, com ensino superior, cisgênero e que tinha um relacionamento com um homem, reproduzindo o perfil da mulher que batizou a lei, mas esta não é a imagem de muitas das mulheres que buscam proteção estatal à violência doméstica. Logo, apesar da Lei Maria da Penha resultar dos esforços dos movimentos feministas e propor uma nova forma de lidar com o fenômeno da violência contra as mulheres no ordenamento jurídico brasileiro, a referida lei tensiona o tradicionalismo jurídico, mas dele não se descola. Entende que o Direito deve abrir fissuras para que disputas de sentidos ocorram e possam permitir a elaboração de novos paradigmas relacionados a gênero e aos direitos humanos. Ao fim, conclui que um caminho para tal está na reivindicação de uma releitura da designação mulher que leve a outra formação discursiva e não à perspectiva essencialista proposta nos idos de 1970. Anderson Eduardo Carvalho de Oliveira, autor do artigo “Novas” medidas protetivas que obrigam homens autores de violência doméstica e familiar contra as mulheres, reflete sobre os impactos da Lei nº 13.984, de 3 de abril de 2020 que tornou obrigatório o encaminhamento de homens autores de violência doméstica e familiar contra as mulheres para programas de recuperação e reeducação, assim como o atendimento psicossocial individual ou em grupo. As mudanças, que dizem respeito diretamente aos autores de violência, passaram a integrar o rol de medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria Penha. Para tanto, adotou a entrevista como técnica de coleta de dados e ouviu 14 colaboradoras e colaboradores que se autodeclararam feministas (ou pró-feministas) e que participaram de atividades de formulação e monitoramento da Lei Maria da Penha ou dos trabalhos de implantação e implementação dos serviços de responsabilização e educação para homens autores de violência. Para compor a análise dos dados, buscou um conjunto de documentos para conhecer o estágio atual da implementação desses serviços. Didaticamente, e a partir dos documentos acessados, o autor apresenta fluxos com procedimentos e encaminhamentos técnicos mínimos para os serviços de educação e responsabilização de homens autores de violência   4  www.feminismos.neim.ufba.br    ISSN: 2317-2932   Vol 10, N.2 e 3, maio-dez 2022     e10222014    contra mulheres. Como conclusões, aponta as dificuldades em relação ao financiamento contínuo e a falta de uma política nacional estruturada para iniciativas de atenção a homens autores de violência no país. De igual modo, destaca que, muito embora a Lei nº 13.984/2020 não necessariamente traga inovações em matéria processual penal, cumpre a função de preencher uma lacuna legislativa importante, mas que pouco terá efetividade se não houver consolidação de uma política pública, em nível nacional, para garantir os serviços de atendimentos aos homens autores de violência. No Mulheres e medida de segurança: análise do discurso judicial paraibano à luz da reforma psiquiátrica brasileira, trabalho resultado da pesquisa de iniciação científica financiada pelo PIBIC/CNPq, realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania (LouCid) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ludmila Cerqueira Correia e Nayna Lohany Medeiros de Almeida analisam se decisões judiciais que determinaram medida de segurança nos casos das mulheres em sofrimento mental em conflito com a lei internadas no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, no estado da Paraíba, no período compreendido entre agosto de 2016 e julho de 2019, seguiram as diretrizes da Reforma Psiquiátrica brasileira. Concluem que nas decisões judiciais analisadas, as conquistas legais e normativas da luta antimanicomial são ignoradas, sob argumentos superados na área da saúde mental e da atenção psicossocial e sem considerar as atualizações que já ocorreram nos campos teórico e legislativo. Com isso, o Poder Judiciário contribui para manutenção de um ciclo de violações de direitos a que estão submetidas as mulheres em sofrimento mental em conflito com a lei, reforçados por estereótipos de gênero.   O artigo de Jalusa Silva de Arruda e Natasha Maria Wangen Krahn, intitulado As meninas no sistema socioeducativo: revisão da literatura e perspectivas de investigação, apresenta resultado de pesquisa bibliográfica realizada com teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação brasileiros que, de algum modo, abordaram em seus estudos as adolescentes e jovens do sexo feminino no sistema socioeducativo, em especial, nas medidas restritivas e privativas de liberdade. Cumprem o papel de apresentar um panorama de estudos e pesquisas realizadas no campo, em diálogo com a literatura nacional e estrangeira, para fomentar outros debates relacionadas à punição de adolescentes e jovens do sexo feminino pelo sistema socioeducativo. Cientes de que a   5  www.feminismos.neim.ufba.br    ISSN: 2317-2932   Vol 10, N.2 e 3, maio-dez 2022     e10222014    pesquisa com meninas começou a ser desenvolvida no início do século XXI, tomam como recorte temporal dissertações e teses concluídas entre os anos 2000 a 2018. Apesar da diversidade de programas, áreas e abordagens teórico-metodológicas, concluem que os estudos se dedicaram, basicamente, no tensionamento entre os princípios da justiça juvenil versus mera punição, bem como que o processo de seleção e filtragem do sistema de justiça juvenil e a própria política pública de atendimento socioeducativo reproduzem estereótipos de gênero. Ao fim do texto sugerem que reflexões sobre as meninas no sistema socioeducativo devem ampliar reflexões a partir da interseção entre as categorias sexismo, racismo e menorismo.  Cada um a seu modo, os trabalhos aqui reunidos têm caráter denunciativo tanto das estruturas do Direito moderno como das instituições jurídicas, da mesma forma que apresentam provocações e proposições, especialmente para perspectivas de estudos voltados às teorias críticas do Direito.   Boa leitura!  

APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ I: FEMINISMO E A CRÌTICA DO/AO DIREITO

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