Muniz, José Norberto

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Universidade de Brasília: Portal de Periódicos da UnB

Ponto de VistaDa Patente à Interpretação da Degradação CientíficaJosé Norberto Muniz** Soc., Prof. Titular, UFV.Sociedade e Estado, Vol. VII, Nos 1-2, Jan./Dez. 1992A Síntese Social da ApropriaçãoA apropriação emerge na sociedade quando o produto do trabalho passa a ser propriedade dos não-trabalhadores (Sohn-Rethel, 1983). Não é uma apro­priação da natureza para a satisfação de necessidades humanas, mas as formas e conteúdos da natureza são dissolvidas nas formas de sua apropriação (Lukcás, 1989). Nesse sentido, não existe tecnologia natural no reino animal ou vegetal. As tecnologias são resultados da alteração do metabolismo da natureza, inten­sificadas pelas ciências naturais, mas em conformidade com a lógica de apro­priação do desenvolvimento histórico (Schmidt, 1971). Por isso, as plantas são, na sua forma e conteúdo atuais, resultados não somente das transformações graduais como também produtos do trabalho humano, passado e presente, em uma síntese social. O detalhe que Schmidt destaca a esse respeito é que as leis da natureza não são “pensadas” ou cogitadas sem a idéia de apropriação para a sua compreensão. Essas leis emanam da síntese social da apropriação, à qual Lukcás (1989) designa como a segunda natureza.Assim, a referência ao termo apropriação é fundamental para ilustrar um paradoxo entre ciência e sociedade, o que torna fundamental para contextualizar, teoricamente, a questão de patente, ou seja: enquanto as formas de pensamento consütuem-se em formas racionais de intervenção, consolidan­do-se através da insütucionalização do conhecimento científico, a prática de in­tervenção na natureza está “fora” do controle do homem (se materializa, na concepção de Sohn-Rethel (1983), com falsa consciência necessária).Ilustração do paradoxo e suas implicaçõesA biotecnologia pode ser considerada como um exemplo de forma raci­onal de intervenção, justificada, na literatura, em termos das soluções científi­cas que ela propicia. Em princípio, admite-se que a natureza é, em termos baconianos, problemática ao homem, necessitando de controle biotecnológico. Enquanto essa é a tendência atual, no passado, devido à política de substituição de importações, procurava-se pelo controle biológico, obter variedades mais re-194Da Patente à Interpretação da Degradação Científicasistentes, mais produtivas, etc. Entretanto, tanto no passado como no presen­te, a intervenção racional se fundamenta nos mesmos princípios de controle da primeira natureza. E não é apenas isso, esses princípios permitiram a constru­ção de instituições de ensino e de pesquisa e continuam a determinar as deci­sões sobre a política científica e tecnológica. Com isso, chega-se a uma estrutu­ra de ciência e tecnologia já prevista há algum tempo, ou seja, que “A simples cimmytização da pesquisa agropecuária brasileira nos tornará eternos impor­tadores de pesquisa” (Rosseto, 1974: 386).Assim, a degradação atual do sistema científico não é um evento aleatório. E histórico, da mesma forma que o é uma lei sobre propriedade intelectual. En­tretanto, somente esta pode conscientizar sobre a situação daquela. Aqui ocorre um fato interessante no caso brasileiro. As consequências do Projeto de Lei n. 824/ 91 e o Substitutivo do Deputado Ney Lopes não são imediatas para o sistema nacional de ciência e tecnologia, fundamentalmente porque, segundo Goldstein (1989: 192), a biotecnologia nos países em desenvolvimento tem as seguintes características: a) não tem requisitos intelectuais e está apropriada a nossa debi­lidade científica e tecnológica; b) é “boa” e pouca egoísta, adequada para nossas condições naturais e, curiosamente, desprovida de problemas de patente. Para o referido autor, a biotecnologia competitiva se fundamenta nas seguintes carac­terísticas: fundamenta-se na biologia molecular; procura descobrir as bases moleculares da genética, da fisiologia e a patologia das plantas e dos animais de importância comercial; procura por moléculas naturais e/ou sintéticas; e procu­ra descobrir as bases fisiológicas, bioquímicas e genéticas das enfermidades, iden­tificando novas drogas e procedimentos terapêuticos e de diagnósticos.Não há a unicidade biotecnológica. As variações em estágios de desenvol­vimento decorrem do contexto industrial farmacêutico e agroindustrial. Se esse contexto é desenvolvido, a informação genética torna-se uma mercadoria, tor­nando necessária a proteção sobre o direito de sua produção. Isto não é uma proposição nova. Ela é a expressão da racionalidade capitalista em que se fun­damenta o conhecimento científico desde a descoberta do vigor híbrido. A diferença atual está no novo contexto histórico, o qual permite revelar, de for­ma objetiva, o estágio de subdesenvolvimento do desenvolvimento científico de­pendente. Agora, os cientistas das plantas podem criar novas formas de vida, ao invés de se limitarem, simplesmente, às velhas manipulações de outrora. Com isso, as formas discrepantes de fazer ciência nunca estiveram tão nítidas. Como admite Goldstein (1989: 189) “Existem dois tipos de ciência: uma, a deles e a outra, a nossa a deles lhes serve para ser cada vez mais rico e dominar o resto do mundo; a nossa não serve a eles e nem a nós”.Intermitência interpretativaA quantidade e intensidade de fatos apresentados no Projeto de Lei 824/ 91 e no Substitutivo do Relator do Projeto está, como é de se esperar, gerando195José Norberto Munizinterpretações referenciadas por outros fatos. É o exercício comparativo atra­vés das evidências. Para citar alguns, à proposição da pipeline contrapõe-se a pos­sibilidade de descoberta paralela no Brasil ou a subjugaçâo do País às Leis de outros Países; ao produtos patenteáveis opõe-se aquilo que os melhoristas na­cionais estariam impedidos de pesquisar; à licença compulsória, ao segredo de negócio, à duração da patente e à caducidade da patente opõe-se os interesses nacionais, etc.O interessante é que os fatos direcionam para os capítulos, parágrafos, etc. Como conseqüência, começa-se pela reformulação, adaptação, omissões, che­gando até às extinções de capítulos e parágrafos para se chegar aos acordos. Em termos dos fatos, o acordo é também um outro fato, o qual procura inibir os conflitos. Por exemplo, se a polêmica é em relação à patente pipeline, aos microorganismos e o prazo para entrada em vigor da patente (Gazeta Mercantil, 1993), o acordo seria obtido através de adaptações e de extinções, mas voltados para determinados grupos de interesse. Na realidade, esses grupos sobressaem, e é um outro fato, à medida que se constata os signatários das reivindicações, que são, em sua maioria, Sindicatos e Associações de Farmacêuticos e Quími­cos e Conselhos de Farmácia.São fatos, que apesar de interrelacionados, requerem interpretações, não deles mesmos, mas do conhecimento científico como uma síntese social. E a premência da interpretação sobre a enumeração de evidências e a admissão do conteúdo da razão científica como o ponto analítico para a compreensão do sub­desenvolvimento das sociedades em desenvolvimento.BibliografiaGAZETA MERCANTIL - Patente: Parecer de Ney Lopes deverá ser votado na Câmara em breve, p. 6, São Paulo, 29 abril 1993.GOLDSTEIN, D.I. - Biotecnologia, Universidad y Política. México: Siglo XXI Editores, 1989.LUKCAS, G. - História e Consciência de Classe. Rio de Janeiro: Elfos Edi­tora Ltda. 1989.ROSSETO, C.J. - “A política de pesquisa da EMBRAPA” Ciência e Cultura 27(4): 381-387, 1974.SCHMIDT, A. - The Concept of Nature in Marx. Londres: NBL, 1971.SHON-RETHEL, A. - Intellectual and Manual Labour: a critique of epistemology. Atlantic Highlands: Humanities Press, 1983.196

Da Patente à Interpretação da Degradação Científica

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