Freitag, Bárbara

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DIÉTMAR KAMPER EA “SOCIOLOGIA DA IMAGINAÇÃO”Bárbara FreitagProfessora do Departamento de Sociologia — UnBCom sua História (HI, 1990) e sua Sociologia da Imaginação (SI, 1986), Dietmar Kamper inaugura uma nova linha do pensamento crítico na Alemanha. Herdeiro de Nietzsche e seguidor do Adorno da Dialética Negativa, Kamper pode ser inscrito na tradição de esquerda da crítica da razão.Dietmar Kamper critica Juergen Habermas , mas sua obra não se constrói sobre a rejeição da teoria da ação comunicativa (1981) ou da ética discursiva (1988), como é o caso de muitos pensadores menos originais.Kamper envereda, desde o início dos seus trabalhos, por uma trilha mais próxima a Foucault, Baudrillard, Lyotard e Lacan que de Hegel, Habermas, Offe ou Freud. Na classificação de Habermas (1983), ele seria um pós- modemo, mais exatamente um Jungkonservativer (jovem conservador); para os leitores familiarizados com a obra de Habermas, ele é, pelo menos na Alemanha, o "outro" de Habermas.Kamper é mestre do pensamento ao avesso, "do pensar contra o pensamento". Ele resgata a importância da imaginação como fonte privilegiada do conhecimento. Se Kamper não é especialmente original para a tradição filosófica, onde pôde inspirar-se em Kant, Bergson e Sartre, ele o é para a sociologia e para a história. A sua originalidade está sobretudo nas fontes e na maneira como resgata para a sociologia e para a história (não confundir com história do pensamento) a questão da imaginação. Kamper não parece adotar nenhum critério muito seletivo. Recorre aos místicos medievais (Meister Eckhart); aos registros da disputa travada entre o reformador suiço Zwingli e o protestante alemão Martin Luther em tomo da realidade ou representação do corpo de Cristo no sacramento; ou relê, à sua maneira, as passagens do diário de Kierkegaard, em que este rompe com a igreja de Estado dinamarquesa e o seu representante à época, o bispo Mynster, para descobrir o momento de passagem do escritor esteta para o mártir religioso. Kamper mergulha na correspondência (secreta e amorosa) de Clemens Brentano com sua amante e futura esposa Sophie Moreau; na poesia e literatura romântica, em especial a alemã (HI, 1990) ou na literatura contemporânea, analisando O nome da rosa, de Umberto Eco (SI, 1986). E interpreta os quadros (do inferno) de Hyeronimus Bosch (SI,Sociedade e Estado, vol. VIII, n8 1 e 2/1994. 1986) ou as telas (sobre a morte) de Heike Ruschmeyer(TC, 1989). Tudo serve de texto e pretexto para tecer reflexões pouco convencionais sobre a importância da imaginação, do imaginário, das imagens, no processo do conhecimento. Em todos esses trabalhos se destaca a "imaginação" como substância tanto para os sonhos de cada um quanto para o processo civilizatório das culturas; a "imaginação" como mecanismo transcendental do conhecimento; e a "imaginação" como elemento perturbador, como disfarce da realidade.A história ou arqueologia da imaginação, a "desconstrução" do conceito pervertido e seu resgate para uma nova interpretação que fuja do déjà vu, se justifica na medida em que promete uma saída para os impasses do presente. Kamper postula: "Quanto mais passado, tanto mais futuro" (HI, 17), ou reescreve, de certa forma, as teses da filosofia da história de Benjamin: "As pedras para a construção do futuro só podem emergir do historicamente rejeitado." (HI, 279).Em vez de permanecer nas críticas dos pós-modemos mais pessimistas, que compreendem a História como catástrofe, a modernidade como apocalipse, a razão instrumental como automatismo (SI, 31), Kamper faz uma crítica progressista da modernidade. Por isso postula como Adorno a impossibilidade da reconciliação, em nome do "estranhamento irredutível" e da reflexão "do outro do outro".Ao fazer a História e Sociologia da imaginação, a História e a transfiguração do corpo, Dietmar Kamper procura o "outro" do pensamento. Por isso, o conhecimento precisa recomeçar o seu trabalho em um momento anterior ao da formulação do conceito, portanto, fora do entendimento, isto é, no que Kant chama de Einbildungskraft, a faculdade do homem de perceber e produzir imagens. E mais fortemente influenciado por Foucault, defende como este a tese de que o corpo guarda em suas cicatrizes a memória dos tempos e erros do passado, constituindo, por isso mesmo, outra fonte do conhecimento do passado e do futuro. Nas duas coletâneas editadas juntamente com Christoph Wulf, Kamper e outros examinam a transfiguração do corpo e os sinais da violência deixados no corpo por meio dos tempos. Entre os ensaios encontramos análises sobre Os corpos dos deuses (Wulf), O corpo aberto, na obra de Paracelsus (Bõhme), O corpo na anatomia do século XVI (Sonntag), O corpo como prótese (Berr), e outros ensaios. Temas surpreendentes para os sociólogos alemães, que até recentemente estavam preocupados em absorver a sociologia compreensiva de Weber, a sociologia marxista de Altvater e Negt ou a sociologia crítica de Marcuse, Adorno e Horkheimer.Talvez Dietmar Kamper não seja um pensador "original", pois como todo pensador, inspira-se em certos modelos (Nietzsche, Adorno, Foucault, Lacan e muitos outros), mas introduziu, juntamente com os seus colegas e discípulos, uma vertente alternativa à herança positivista e crítica da sociologia, duas correntes que até o início da década de 1980 ditavam as regras da reflexão 166sociológica alemã. Essa alternativa é saudável, porque vai buscar na França o "outro" do pensamento e não mais ( como era de praxe para a sociologia pós- Segunda Guerra na Alemanha ) exclusivamente nos Estados Unidos.Dietmar Kamper revitaliza a reflexão sociológica alemã, criticando a teoria crítica e sua versão da modernidade, com auxílio dos pós-modemos franceses. Mas ao fazê-lo, debate-se com toda a tradição do pensamento filosófico e sociológico alemão, renovando, acima de tudo, as fontes e a maneira de tratar os problemas. Ele "desconstrói” para "reconstruir", ele procura as encruzilhadas em que o caminho tomado levou a uma interpretação questionável da modernidade, buscando um novo caminho para um futuro possível. É por isso que privilegia a "imaginação" e o "corpo" como fontes do conhecimento em detrimento do entendimento e da razão instrumental. Assim, Kamper não é um irracionalista, e somente é um pós-modemo em termos. Porque também ele quer construir, em toda sua plenitude, uma sociedade futura em que os corpos deixem de ter as cicatrizes da violência que tempos passados neles inscreveram e em que a imaginação possa atuar criadoramente, sem ser alucinação, recalque ou mera reprodução das imagens produzidas pela indústria cultural.167

DIÉTMAR KAMPER E A “SOCIOLOGIA DA IMAGINAÇÃO"

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