Almeida, E. A.

Bastos, A.

Magalhães, T. C. R.

Manigot, D. A.

Muscelli, E. O. A.

Peralta, J. M.

Portuguese

Cadernos Espinosanos (E-Journal)

Rev. lnst. Med. trop. São Paulo 24( 1) :6-W, janeiro-fevereiro, 1982 CDU 593 .161.13 616.937.3 ANTICORPOS EVI E NP NA INFECÇÃO CHAGÁSICA CRôNICA ESTUDO EM PACIENTES COM DIFERENTES FORMAS CLíNICAS J. M. PERALTA (1), D. A. MANIGOT (2), E. O. A. MUSCELLI (2), T. C. R. MAGALHÃES (1), E. A. ALMEIDA (2) e A. BASTOS (2) RESUMO Para verificar se existe correlação entre os anticorpos EVI e NP e a infecção chagásica crônica, foram estudados 56 pacientes ,sorologicamente positivos para o T. cruzi, que apresentavam diferentes formas clínicas desta infecção. Foram tam-bém estudados 75 soros com reações negativas para T. cruzi, para determinar os títulos de EVI e NP que não pertencem a esta população. Os resultados demons-tram que título "= 1:32 podem ser tomados como positivos tanto para EVI quanto para NP. Considerando este título, verificamos que 69,6'% e 70,1 % dos pacientes chagásicos apresentam anticorpos EVI e NP respectivamente, e somente 3% do,s indivíduos não infectados apresentavam títulos de 1:32. Estes dados mostram a estreita relação existente entre EVI, NP, e a infecção chagásica. Porém, quando se analisou a presença desses anticorpos em pacientes com as diferentes formas clí-nicas da doença, não foi encontrada diferença significativa entre os grupos e,stu-dados. INTRODUÇÃO O mecanismo de ação patogênica do Trypa-nosoma cruzi no hospedeiro ainda não está ,su-ficientemente esclarecido. Desde TORRES 16 , vem se tentando explicar, por fenômenos de hi-persensibilidade, a discordância existente entre a intensidade da miocardite e a escassez de ni-nhos parasitários na fase crônica da doença de Chagas. Vários trabalhos seguiram a este 9,11,12, 14,15, mas houve sempre uma preocupação dos Autores de estudarem especialmente o envolvi-mento da imunidade celular, ignorando a par-ticipação dos anticorpos nesse processo. doença de Chagas. COSSIO & col. 4 descreveram um anticorpo circulante fixador de complemen-to, que reage com a membrana plasmática de músculo esquelético e endotélio vascular (EVI), sendo encontrado em 95% dos indivíduos com sorologia positiva para o T. cruzi e comprome-timento cardíaco, e somente em 45% dos indi-víduos positivos sem cardiopatia 5• Um outro anticorpo, contra nervo periférico (NP), foi encontrado em indivíduos com infec-ção chagásica, parecendo estar associado ao an-ticorpo EVI8. Recentemente, começou-se a estudar a pos-sível participação dos anticorpos no desenvolvi-mento da cardiopatia e destruição neuronal na Estes achados levam-nos a supor que exi.sta estreita relação entre a presença do parasita e dos anticorpos EVI e NP, mas sua distribuição Este trabalho foi realizado com o auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológi-co (CNPq), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) UNDP/World Bank/WHO Special Programe for Research and Training in Tropical Disease. (Grant to Dr. A. Szarfman). Coordenação de Ensino para Graduados (CEPG - UFRJ) (1) Departamento de Imunologia, Instituto de Microbiologia da UFRJ. Rio de Janeiro (2) Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina UNICAMP. Campinas, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Daniel A. Manigot. Departamento de Clínica Médica. Hospital das Clínicas da UNICAMP. Cidade Universitária - Barão Geraldo. CEP 13100 - Campinas - SP - Brasil 6 PERALTA, J. M.; MANIGOT, D. A.; MUSCELLI, E. O. A.; MAGALHÃES, T. C. R.; ALMEIDA, E. A. & BASTOS, A. -Anticorpos EVI e NP na infecção chagásica crônica. Estudo em pacientes com diferentes formas clínicas. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 24:6-10, 1982. entre os indivíduos com as diferentes formas clínicas da doença necessita de melhor estudo. O propósito deste trabalho é verificar: a) se existe associação entre a presença dos anti-corpos EVI e NP, e as diferentes formas clíni-cas que caracterizam a fase crônica da doença de Chagas, em indivíduos atendidos no Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas, São Paulo e b) o grau e associação entre os anticor-pos EVI e NP e a sorologia específica para o T. cruzi. MATERIAL E MÉTODO Foram estudadas ao todo 131 amostras de soro, sendo 56 de pacientes sabidamente chagá-sicos e o resto tomadas ao acaso no laboratório central do hospital. A idade dos pacientes osci-lou entre 21 e 60 anos, sendo 26 mulheres e 30 homens. A determinação dos títulos de anticorpos contra o T. cruzi, foi realizada, através de imu-nofluorescência indireta (IFI), segundo méto-do descrito por CAMARGO 2, hemaglutinação indireta (HAI), conforme descrição de CERI-SOLA & col. 3 e aglutinação direta com trata-mento prévio do soro pelo 2-Mercaptoetanol (AD-2ME), segundo método de VATTUONE & YANOVSKY 17• Para a reação de IFI foi utili-zada anti-Ig humana marcada com fluoresceína ( Instituto Pasteur), sendo a leitura realizada em microscópio Zeiss Universal com epi-ilumi-nação e lampada de mercúrio HBO-50, utilizan-do-se um campo microscópico de 400 X. A rea-ção foi feita quantitativamente sendo conside-rados como positivos títulos ~ 1:32 13 . A HAI e AD-2ME foram realizadas em microplacas com fundo em U, diluindo-se os soros desde 1 :2 até 1 :4096, sendo considerado como positivos títu-los ~ 1:16, para as duas reações 13_ Em todos os testes foram utiiizados, como antígeno, epimastigotas de T. cruzi, cepa Y, obti-dos a partir de meio LIT modificado 1. A pesquisa dos anticorpos EVI e NP foi feita através de imunofluorescência indireta, se-gundo técnica descrita respectivamente por COSSIO & col. 4 e KHOURY & col.-8. Utilizaram-se como antígenos cortes de coração, músculo esquelético e nervo ciático de camundongos nor-mai-s. Os cortes foram realizados em criostato com 2 µ de espessura. Foram utilizados o mes-mo conjugado e microscópio anteriormente ci-tados. Todos os pacientes com sorologia positiva possuíam história clínica padronizada, eletrocar-diograma convencional (12 derivações) e tele-radiografia do tórax. Nos casos que apresenta-ram qualquer grau de disfagia. e/ou constipa-ção, realizou-se radiografia contrastada de esô-fago com fluoroscopia, e/ou enema opaco. De acordo com os achados da história clí-nica e dos exames assina.lados, os pacientes fo-ram divididos em primeira instância em 4 gru-pos: I - pacientes assintomáticos do ponto de vista cardíaco e digestivo, com ECG normal e coração de tamanho normal ao Raio X (mé-dia de idade = 37 anos). II - pacientes assin-tomáticos ou só com sintomas atribuíveis a ar-ritmia, sem insuficiência cardíaca, com coração de tamanho normal ao Raio X e com ECG apre-sentando alterações da condução (hemibloqueio anterior esquerdo; bloqueio completo de ramo direito; bloqueio atrio-ventricular de qualquer grau; bloqueio completo de ramo esquerdo) e/ ou extrassí-stoles ventriculares ou supraventricu-lares freqüentes. (Média de idade = 43 anos). III - pacientes com insuficiência cardíaca e/ou cardiomegalia ao Raio X (índice cárdio-torácico superior a 0,5); com ou sem as alterações des-critas para o grupo II no ECG. (Média de idade = 47 anos). IV - pacientes com sintomas e Raio X de megacolon e/ou megaesofago, com ou sem alterações cardíacas. (Média de idade 49 anos). Numa segunda avaliação, os pacientes fo-ram reagrupados, tendo em conta apenas seu estado cardíaco segundo o seguinte critério: Ih - Pacientes sem sintomas cardiovasculares, com ou sem megavísceras, com eletrocardiogra-ma em repouso normal e coração de tamanho normal ao Raio X (idade média= 39 anos). Ilb - Pacientes sem sintomas ou sinais de insufi-ciência cardíaca, com ou sem megavísceras, co-ração de tamanho normal ao Raio X e eletro-cardiograma com transtornos de condução e/ou extrassístoles (idade média = 45 anos). lllb -Pacientes com insuficiência cardíaca, e/ou car-diomegalia ao Raio X, com ou sem megavísceras Cidade média = 49 anos). 7 PERALTA, J. M.; MANIGOT, D. A.; MUSCELLI, E. O. A.; MAGALHÃES, T. C. R.; ALMEIDA, E. A. & BASTOS, A. -Anticorpos EVI e NP na infecção chagásica crônica. Estudo em pacientes com diferentes formas clínicas. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 24:6-10, 1982. RESULTADOS Dos 131 soros estudados, foram considera-dos como positivos todos aqueles que apresen taram mais de dois testes sorológicos positivos para a infecção chagásica. A análise dos títulos de EVI e NP, nos soros obtidos de indivíduos sorologicamente negativos para o T. cruzi, demonstrou que títulos 2: 1:32 tem pouca probabilidade de pertencerem ao grupo de indivíduos não chagásicos (teste t Stu-dent, p < 0,001). Na Tabela I pode ser observado que, dos 56 indivíduos com sorologia positiva, 39 (69,6%) foram positivos para EVI e 40 (70,1%) para NP. Entretanto, somente 2 (3%) dos indivíduos ,so-rologicamente negativos apresentaram títulos de 1:32 para estes anticorpos. Estes dados mos-tram uma significativa correlação entre a pre-sença dos anticorpos EVI e a presença da infec-ção chagá,sica (p < 0,001). Por outro lado, quan-do se analisou a presença desses anticorpos nos pacientes chagásicos assintomáticos e na-queles com as diferentes formas clínicas da fase crônica da doença foi verificado, conforme mostrado na Tabela II, que não houve diferen-ça significativa entre os grupos estudados (Gru-pos Ia IV). Reagrupados os pacientes apenas do ponto de vista cardiovascular (grupos Ih a IIIb), tam-bém não houve diferenças significativas quanto ao título da distribuição do Fator EVI e NP. Em ambos os casos foram feitas análises de variância dos logaritimos dos inversos dos títulos y = f(x) - ln 1/título. TABELAI Freqüência dos títulos de anticorpos EVI e NP nas 13i amostras com sorologia anti - T. cruzi negativa e positiva Títulos Testes Sorologia Total anti-T. cruzi 4 8 16 32 64 128 256 EVI Positiva 5 8 4 12 17 9 56 Negativa 61 10 2 2 75 NP Posítiva 5 7 4 13 17 9 56 Negativa 61 10 2 2 75 TABELA II Freqüência dos títulos de anticorpos EVI e NP, nas diferentes formas clínicas da infecção chagásica crônica, em 59 pacien-tes com sorologia positiva para o T. cruzi Grupos Títulos % de indivíduos 4 8 16 32 64 128 256 Total com título 2: 32 Grupo I Forma EVI 2 4 3 4 16 75 inaparente NP 2 4 3 4 16 75 Grupo II Transtorno de EVI o 4 2 2 2 o 11 45 condução sem ICC(*) NP o 3 2 3 2 o 11 55 Grupo III ICC e/ou EVI, 3 3 o 2 7 o 16 65 cardiomegalia NP 3 3 o 3 6 o 16 65 Grupo IV Megas com ou EVI o 4 4 3 o 13 84 sem cardiopatia NP o 4 4 3 o 13 84 (*) ICC - insuficiência cardíaca congestiva 8 I;'ERALTA, J. M.; MANIGOT, D. A.; MUSCELLI, .E. O. A.; MAGALHAES, T. C. R.; ALMEIDA, E. A. & BASTOS, A. -Anticorpos EVI e NP na infecção chagásica crônica. Estudo em pacientes com diferentes formas clínicas. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 24:6-10, 1982. TABELA III Freqüência dos títulos de anticorpos EVI e NP em pacientes chagásicos crônicos classificados segundo o seu estado cardíaco Grupos Ib (inaparentes) llb EVI NP ( transtorno de condução EVI sem insuficiência cardíaca) NP lllb EVI (insuficiência cardíaca) NP 4 o o 4 4 DISCUSSÃO 8 5 4 2 2 16 2 2 2 2 o o Este- trabalho demonstra a estreita correra'. ção que existe entre os anticorpos EVI e NP e a infecção chagásica. Entretanto, não foi en-contrada diferença significativa no título e dis-tribuição destes anticorpos nas diferentes for-mas clínicas e graus de comprometimento car-díaco da doença de Chagas crônica. Estes resul-tados discordam dos encontrados por COSSIO & col. 5, que estudando pacientes chagásicos ar-gentinos encontraram maior freqüência de anti-corpos EVI em pacientes com cardiopatia. A diferença na ocorrência do fator EVI em dife-rentes área.s já foi relatada por HUBSH & col.7, que observaram este anticorpo em 44% de 25 pacientes chagásicos chilenos e em 46 % de 29 pacientes brasileiros. Acreditamos que a expli-cação dada por aqueles Autores, como sendo uma diferença de virulência de cepas, possa ser real. Entretanto, devemos ressaltar que os Auto-res não _-revaram em consideração a forma clí-nica da .doença nas área,s estudadas. Desde que os fatores EVI e NP foram des-critos, diversos Autores 5,6, 7,s tem considerado títulos a partir de 1:10 como positivos, não ten-do sido ainda realizado estudo que compare po-pulaçõe,s sorologicamente negativas com posi-tivas para o T. cruzi, a fim de determinar quais seriam os títulos a serem considerados como es-pecíficos para estes anticorpos. Este fato é mui-to importante já que indivíduos não infectados podem apresentar anticorpos contra vários teci-dos 10, podendo levar a conclusões divergentes quanto a presença de EVI e NP em indivíduos infectados e não infectados. Estudando uma população sorologicamente negativa para o T. cruzi, nós podemos concluir, Títi+los % de indivíduos 32 64 128 256 Total com título 2:: 32 4 5 6 20 80 4 5 6 20 80 3 4 5 5 2 2 10 10 2 2 o o o o 14 50 14 57 22 73 22 73 através do teste t de Student que títulos 2:: 1:32, pelo menos na área estudada, tem pouca proba-bilidade de pertencerem a população negativa, e podem ser considerados como títulos especí-ficos tanto para EVI quanto NP. SUMMARY EVI and NP antibodies in chronic Chaga.s infec-tion: A report in patients with different clinica! forms Sixty patients, serologically positive to Try-panosoma cruzi with four different clinica! sta-ges of the disease were studied to verify the relationship between EVI and NP antibodies and chronic infection. Seventy-five individuals with negative serology were studied to determi-ne the specific EVI and NP titer,s. When titers ~ 1:32 were considered positive, 69.6 and 70.1 % of the chagasic patients have EVI and NP antibodies respectively. Conversely only 3% from the non infected inc1ividuals have titers of 1:32. This data showed asignificant (p < 0.001) correlation between EVI, NP and chronic infec-tion. However, when we analised these anti-bodies in patients with different clinica! stages of chronic Chagas' disease, no differences were found among the four groups studied. AGRADECIMENTOS Os Autores agradecem a orientação estatís-tica do Dr. Djalma de Carvalho Moreira Filho, do Departamento de Medicina Preventiva -UNICAMP e a Marco Araujo Fernandes e Car-los Ausberto B. de Souza pelo auxílio técnico. 9 PERALTA, J. M.; MANIGOT, D. A.; MUSCELLI, E. O. A.; MAGALHÃES, T. C. R.; ALMEIDA, E. A. & BASTOS, A. -Anticorpos EVI e NP na infecção chagásica crônica. Estudo em pacientes com diferentes formas clinicas. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 24:6-10, 1982. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. CAMARGO, E. P. - Growth and differentiation in Try• panosoma cruzi. I. Origin of metacyclic tripanosomes in liquid media. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 6: 93-100, 1964. 2. CAMARGO, M. E. - Fluorescent antibody for the se• rodiagnosis of American Trypanosomiasis. Technical modification employing preserved culture forms of Try• panosoma cruzi in slide test. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 8: 227-234, 1966. 3. CERISOLA, J. A.; FATALA·CHABEN, M. & LAZZARI, J. O. - Teste de hemaglutinación para el diagnóstico de la enfermedad de Chagas. Prensa Med. Arg. 49: 1761-1767, 1962. 4. COSSIO, P. M.; DIEZ, C.; SZARFMAN, A.; KREUT· ZER, E.; CANDIOLO, B. & ARANA, R. H. - Chagasic Cardiopathy, I. Demonstration of a serum gamma glo· oulin factor which reacts with endocardium and vascu· lar structures. Circulation 49: 13-21, 1974. 5. COSSIO, P. M.; LAGUENS, R. 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Anticorpos EVI e NP na infecção chagásica crônica estudo em pacientes com diferentes formas clínicas

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