Do esvaziamento ontológico de Deus à dissolução do Cristianismo enquanto moralidade: a sentença Nietzscheana "Deus está morto".

Abstract

A sentença nietzscheana é uma das mais lúcidas e mais tenebrosas afirmações do Ocidente cristão, que desde sua constituição se fez a partir da experiência do encontro da tradição grega do lógos e do Ser com a tradição semita da história e de Iahweh. Ela afirma que os valores fundamentais e basilares do mundo ocidental perdiam valor e se dissolviam. Deus era o mais supremo destes valores, e por isto nomeou a circunstância histórica da dissolução percebida pelo filósofo. Pretendo pontuar historicamente os sentidos do esvaziamento da existência da figura divina ao longo dos séculos que marcam a idade moderna e a modernidade. Iniciarei com o nominalismo de Ockam para quem Deus seria acessível somente pela fé, deixando de ser, portanto, objeto da razão. O frade de Oxford finalizava o embate medieval em torno da relação razão e fé afirmando o primado da fé e a impossibilidade de conhecermos a Deus pela nossa razão. Dois séculos depois Descartes fez de Deus uma idéia do caniço pensante, que reunia os atributos divinos tradicionais. Como idéia privilegiada permitia a saída do sujeito de si, mas nada nela havia da consistência radical divina tal como manifestada em Sua revelação. Kant consumou, em termos modernos, a solução nominalista. Deus passou a ser objeto inacessível ao conhecimento humano por extrapolar os limites de suas condições de possibilidade. Contudo, reapareceu como postulado da razão prática e nesta situação continuou completamente esvaziado em sua consistência ontológica. Em sua obra sobre a religião nos limites transcendentais, Kant deu o tiro de misericórdia no próprio cristianismo e na divindade. O conhecimento de Deus, tal como o ocidente experimentou desde o primeiro século da era cristã, foi mortalmente ferido à medida que, por um lado, não teríamos como ter acesso à manifestação revelada da divindade e, por outro, nem mesmo a fé era suficiente para dotar a existência de Deus de alguma consistência no âmbito da simples razão. A reflexão kantiana reduziu Jesus Cristo a grande modelo ético e o cristianismo à dimensão moral. O sentido religioso intrínseco a qualquer religiosidade como que desapareceu por completo. Nietzsche atacou o cristianismo e Deus no que ainda restava: o primeiro foi demolido enquanto moral que forja indivíduos fracos e que não suportam a idéia da auto-superação; Deus é a grande construção humana que alicerça tal moralidade e que faz com que, em Seu nome, a vida e a terra sejam menosprezadas

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