A presente proposta contempla a regulação de regras e critérios para que os Gestores de Ativos de Terceiros possam atribuir a classificação “ASG ou ESG” para Fundos de Investimento. Sequencialmente, serão apresentadas informações contextuais, o cenário atual e as justificativas que embasam a proposta de regulação do tema, denotando a crescente relevância do assunto para investidores e gestores de ativos no Brasil

Costa, Vanessa Melina

Santos, Daniel José Ferraz dos

Secomandi, Fábio Henrique

Silva, Janaina Amorim

Portuguese

Portal de Periódicos Jurídicos (Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP)

 63  Proposta de Regulação para classificação de Fundos de Investimento sob a temática ASG / ESG (Ambiental, Social e Governança) Daniel José Ferraz dos Santos 44 Fábio Henrique Secomandi45 Janaina Amorim Silva46 Vanessa Melina Costa47  Ref.:  Resolução CMN Nº 4.327/14; Resolução BACEN Nº 4.557/17; Instrução CVM Nº 552/14; Guia ASG ANBIMA 2019.  INTRODUÇÃO A presente proposta contempla a regulação de regras e critérios para que os Gestores de Ativos de Terceiros possam atribuir a classificação “ASG ou ESG” para Fundos de Investimento.   Sequencialmente, serão apresentadas informações contextuais, o cenário atual e as justificativas que embasam a proposta de regulação do tema, denotando a crescente relevância do assunto para investidores e gestores de ativos no Brasil.   Ainda, há de se destacar que a ausência de regulação pode representar riscos aos investidores, no tocante à aquisição de produto inadequado e/ou com ausência de dados completos.  Outro ponto a acrescer é de que as normas e as regulações vigentes e correlacionadas com o tema sustentabilidade não amparam o processo de comercialização de produtos de Fundos de Investimento com a classificação  44 É Graduado em Engenharia Mecânica pela Escola de Engenharia de Piracicaba/SP. Cursou MBA em Finanças e Controladoria pela USP/SP, pós-graduação em Finanças e Estatística e em Gestão Estratégica e Negociação. Mestrando em Economia pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). É Gerente Nacional de Riscos de Ativos de Terceiros na Caixa Econômica Federal. 45 É Graduado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica PUC-SP e cursou MBA em Gestão Empresarial pela FGV-SP. É Gerente Executivo de Riscos Corporativos e ESG na Gestão de Ativos de Terceiros na Caixa Econômica Federal. É Professor Executivo da disciplina Estratégia de Empresas na pós-graduação em Administração de Empresas da FGV - ABC. 46 É Graduada em Administração com sequencial em Marketing e Vendas. Cursou MBA em Executive Banking pela Unip-SP e MBA em Mercado de Capitais pela Unip-SP. É Analista ASG na área de Riscos de Ativos de Terceiros na Caixa Econômica Federal. 47 É graduada em Administração. Cursou MBA em Finanças, Investimentos e Banking pela PUC-RS e MBA em Gestão Financeira pela FGV. É Analista ASG na área de Riscos de Ativos de Terceiros na Caixa Econômica Federal.  64  “ASG ou ESG”, considerando tratar-se de tema relativamente novo no mercado brasileiro.   Por fim, a presente proposta de regulação possibilitará a proteção dos investidores e a padronização dos Fundos ASG/ESG, sem prejuízo do retorno financeiro aos gestores de Fundos de Investimento.    CONTEXTUALIZAÇÃO   A adesão das empresas às práticas de sustentabilidade tem sido direcionada pelo interesse de garantir competitividade nos novos modelos de mercado, responder à valorização do consumo consciente e à necessidade de boas práticas com a sociedade e com o relacionamento governamental e, ainda, para se adequar ao cenário econômico, ao perfil dos investidores e em busca de resultados sustentáveis de longo prazo.   O conceito ASG é utilizado para definir as práticas corporativas e de investimento que consideram três dimensões de sustentabilidade. A sigla vem do inglês “Environmental, Social and Governance” (Ambiental, Social e Governança, em português). Dessa forma, serve para nortear as melhores práticas em negócios, observando as dimensões ambientais, sociais e de governança.     Essas práticas visam aumentar oportunidades, obter vantagem competitiva na imagem e na reputação da empresa, mitigar riscos e gerar valor no longo prazo. Empresas com práticas ASG apresentam, potencialmente, menor risco aos fatores de impacto, como, por exemplo, fraudes, escândalos, processos trabalhistas e inadequações legais, por possuírem maior controle, governança e seguirem protocolos mais rígidos de atuação.   As práticas ASG são utilizadas para materializar e mensurar o desempenho das empresas considerando impactos positivos e negativos dentro da nova tendência de valores que os consumidores desenvolveram. Nesse sentido, as práticas sustentáveis que antes eram vistas como fatores não financeiros passaram a se enquadrar como materiais e a integrar os itens de avaliação de desempenho, uma vez que a adoção das melhores práticas ASG contribui para aumento de receita, redução de custos, mitigação de riscos e aumento de produtividade, consequentemente elevando a eficiência da empresa e contribuindo com o planeta e com a sociedade.   De acordo com a ANBIMA, o Investimento ASG é aquele que incorpora alguma questão, seja ambiental, social ou de governança, em sua análise de investimento, e leva em consideração a sustentabilidade de longo prazo48.   48https://www.anbima.com.br/data/files/1A/50/EE/31/BFDEF610CA9C4DF69B2BA2A8/ANBIMA-Guia-ASG-2019.pdf.   65   A premissa da integração ASG é que é possível obter retornos adicionais com os mesmos níveis de risco. Com isso, a incorporação de dimensões ASG agregaria maior valor para acionistas e investidores, garantindo a longevidade do negócio e o posicionamento proativo em um modelo de gestão sólido, conforme demonstrado por meio de evidências empíricas e estudos científicos que apontam para uma correlação negativa entre desempenho ESG de emissores e risco de default49.   Os investimentos responsáveis, em geral, presumem retornos financeiros no longo prazo, considerando que as práticas sustentáveis podem ensejar mudanças estruturais nos modelos de negócios, o que não impede que as empresas apresentem resultados positivos já no curto prazo. Contudo, normalmente, devido à necessidade de tempo para implantação de novo modelo de negócios estruturado e qualificado, esses retornos tendem a surgir com mais efeito no longo prazo.   A inclusão de fatores ASG na análise visa antecipar as oportunidades e gerar melhores avaliações de risco e retorno, tornando a decisão de investir mais fundamentada, com o objetivo de identificar impactos de eventos que possam afetar de forma positiva ou negativa, e permitindo o alinhamento da estratégia com a utilização da análise.   Pelo exposto, diante da constante preocupação com o meio ambiente, com questões sociais e com boa relação no mundo dos negócios, a tendência é que as empresas que atendam esses critérios se destaquem no mercado.    CRESCIMENTO DO MERCADO DE FUNDOS ASG   No Brasil, em 2020, foram lançados 85 fundos autorrotulados como sustentáveis pelas Gestoras de Recursos de Terceiros, enquanto em 2019 haviam sido apenas seis.    Segundo o Valor Investe, um levantamento da área de tendências do Google mostrou que o interesse pelo conceito ASG atingiu seu ponto mais alto nos últimos cinco anos, no Brasil. O Google Trends mostrou, ainda, que, globalmente, o tema nunca foi tão buscado quanto em 202050.    Levantamento feito pela Morningstar mostra que, no Brasil, os fundos ASG captaram ao menos R$ 2,5 bilhões em 2020 — e passaram de R$ 3,1  49 Estudo fez o levantamento de ~2.000 artigos que correlacionavam o desempenho ESG de empresas com seus respectivos desempenhos financeiros. Para ativos de renda fixa, foi constatado que existe forte correlação positiva entre ESG e retorno para mais de 90% das evidências documentadas. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/287126190_ESG_and_financial_performance_Aggregated_evidence_fro m_more_than_2000_empirical_studies.  50https://valorinveste.globo.com/produtos/fundos/noticia/2021/03/07/conheca-os-fundos-de-investimentos-esg-oude-impacto-disponiveis-no-brasil.ghtml  66  bilhões para R$ 6,8 bilhões ao longo do ano, já considerando a valorização dos ativos no período51.    Na Europa, 43% dos investimentos, referência 2020, estão concentrados em empresas que possuam engajamento na temática ASG. Nos Estados Unidos, esse percentual é de 27%.   Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a perspectiva continua sendo de crescimento significativo nos próximos anos.   O mundo começou “respirando” ASG em 2021. Em janeiro, o Santander criou sua primeira carteira ASG, com 14 empresas, e o Safra anunciou o lançamento de um novo fundo de investimento, o Safra Impacto ASG, primeiro produto do banco com o tema52.    A Bloomberg e a Rockefeller Asset Management divulgaram o lançamento de um novo índice, o ASG Improvers, e a CVM tem em curso consultas públicas para criar regras que aumentem a transparência sobre o assunto nas companhias de capital aberto53.    Pesquisa publicada pela ANBIMA54, em 2018, considerando o impacto de questões ASG no processo de investimento, apontou que o mercado tem avançado sobre o tema, mostrando que, além dos gestores que já possuem alguma política voltada para as questões ASG (48,54%), outros 20,39% dos gestores declararam que estão desenvolvendo um documento em relação ao tema, conforme gráfico abaixo:       Diante desse cenário, observa-se que o mercado para a temática ASG está em franca expansão, tanto no Brasil quanto no mundo, envolvendo investidores, gestores e partes relacionadas, criando macrotendências  51https://www.capitalreset.com/fundos-esg-captaram-ao-menos-r-25-bi-em-2020-no-brasil-o-que-esta-por-tras-donumero/.  52 https://exame.com/bussola/2021-comeca-com-esg-no-acelerador/.  53 https://exame.com/bussola/2021-comeca-com-esg-no-acelerador/.   54 A pesquisa contou com 110 participantes, entre gestoras e administradoras de recursos, tanto associadas como aderentes aos códigos de autorregulação ANBIMA, além de associados da ABVCAP (Associação Brasileira Private Equity e Venture Capital). O patrimônio líquido sob gestão da amostra de instituições que responderam à pesquisa corresponde a 78,05% do total da indústria – um volume de 3,2 trilhões.  67  setoriais, uma vez que o escopo do conceito ASG é justamente a sustentabilidade dos negócios no longo prazo.      NORMAS E REGULAÇÕES CORRELACIONADAS AO TEMA   Algumas normas e regulações vigentes abordam a temática sustentabilidade. Contudo, nenhuma tem como objetivo estabelecer regras e critérios para atribuir classificação “ASG ou ESG” para Fundos de Investimento, como podemos denotar, de forma sintetizada, a seguir:  a) Instrução nº. 558 da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, de 27 de março de 2015: determina que o gestor de recursos implemente e mantenha política escrita de gerenciamento de riscos, que seja consistente e passível de verificação para possibilitar monitoramento, mensuração e ajustes permanentes dos riscos inerentes a processos, atividades e produtos envolvidos; b) Resolução Bacen nº 4.327, de 25 de abril de 2014: dispõe sobre as diretrizes que devem ser observadas no estabelecimento e na implantação da Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) pelas instituições financeiras. Ressalta-se que, no art. 6º da norma, contém os requisitos impostos pelo Regulador a serem observados pelas instituições financeiras, que devem estabelecer as condições para a realização do gerenciamento do risco socioambiental, como, por exemplo, na avaliação prévia dos possíveis impactos em novos produtos e serviços ofertados aos clientes; c) SARB nº. 14 da FEBRABAN, art. 1º: Constitui o Programa de Autorregulação para o Desenvolvimento e a Implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental, de forma que seus associados incorporem as práticas de avaliação e gestão de riscos socioambientais, com diretrizes e procedimentos alinhados aos princípios da relevância, da proporcionalidade e da eficiência.  i. A mencionada autorregulação disciplina e direciona, ao longo dos seus capítulos, o conteúdo a ser observado pelas instituições signatárias, como a Política de Responsabilidade Socioambiental, de Governança, de aplicação da PRSA, de gerenciamento do Risco Socioambiental, de forma que haja engajamento do tema tanto pela alta administração como pelos colaboradores.    PROPOSTA   Para atribuição de classificação “ASG ou ESG” em um Fundo de Investimento, a Gestora de Recursos, previamente a comercialização do produto, deverá observar as seguintes disposições:    68  a) a Gestora de Recursos de Terceiros deve possuir documento, tornado público, detalhando as diretrizes adotadas para incorporação dos aspectos ASG/ESG em suas estratégias de investimento;  b) os Fundos classificados como “ASG ou ESG” devem ter essa identificação em seu nome, possibilitando uma rápida identificação por parte do investidor.  c) as estratégias de investimento da Gestora de Ativos devem, de forma combinada ou isoladamente, se enquadrar nas premissas destacadas a seguir, o que deve ser, de forma explícita, apresentada ao investidor nos documentos obrigatórios do Fundo: i. Filtro Negativo: Refere-se à exclusão de investimentos (em países, setores, empresas ou projetos), de acordo com critérios ASG, refletindo valores éticos do gestor/investidor, ou por não cumprirem normas mínimas estabelecidas por organizações internacionais ou nacionais (exemplos: armamento, tabaco, pornografia); ii. Filtro Positivo: Tem as mesmas características do negativo, só que, ao invés de excluir ativos, são incluídos aqueles que atendam aos critérios e às normas estabelecidas. Além disso, existe uma forma alternativa nesse tipo de estratégia: o investimento temático. Dentro dele, são estabelecidos temas específicos, normalmente relacionados à sustentabilidade, para serem realizados os investimentos;  iii. Best-in-class: Este é um outro modelo de filtro positivo, com a diferença que funciona como um ranking. São selecionados critérios ASG para a avalição de um determinado setor ou projeto e, a partir dessa análise, são definidos os melhores, em relação a seus pares, para receberem o investimento. Geralmente, esse tipo de análise consegue capturar possíveis vantagens competitivas entre empresas do mesmo setor.  iv. Investimento de Impacto: Os investimentos de impacto são feitos em setores, companhias ou projetos focados na geração de impacto social e ambiental. A principal premissa é que os impactos sejam mensuráveis. A performance do investimento é a combinação do impacto gerado na sociedade ou no meio ambiente (por isso, a necessidade da mensuração dos resultados) e do retorno financeiro.  v. Integração ASG: Na integração ASG, são incorporados fatores ambientais, sociais e de governança nos modelos de análise financeira da empresa ou do projeto. Essa estratégia captura os impactos que determinados fatores terão no futuro da empresa, seja no perfil de risco ou na geração de lucros. Por exemplo, o modelo de análise financeira aplicará um desconto no valuation de uma  69  empresa do setor automotivo que não possui projeto de produção de carros elétricos.  vi. Engajamento Corporativo: O engajamento corporativo tem como base a utilização da participação acionária que os investidores detêm para influenciar a estratégia da empresa na adoção de políticas ASG. É o modelo que mais se adequa a uma gestão passiva de investimento. Além disso, é uma excelente alternativa ao desinvestimento: ao invés de vender ativos de empresas que não adotam políticas ASG, os investidores mantêm sua participação e tentam persuadir a empresa a adotar melhores políticas ASG.    CONSIDERAÇÕES FINAIS   Por todo o exposto, a proposta de regulação visa padronizar um tema relevante na indústria de Fundos de Investimento e garantir a proteção e os interesses do investidor.                  

Proposta de Regulação para classificação de Fundos de Investimento sob a temática ASG / ESG (Ambiental, Social e Governança)

https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/bee/article/download/5699/2294

Proposta de Regulação para classificação de Fundos de Investimento sob a temática ASG / ESG (Ambiental, Social e Governança)

Abstract

Similar works

Full text

Available Versions

Portal de Periódicos Jurídicos (Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP)