As autoras referem comportamentos, atitudes e conhecimentos expressos pelas mães em relação a doenças como: sarampo, varíola, varicela, parotidite, tuberculose e difteria. Trata-se de um relato das informações de mães de baixo nível sócio-econômico que frequentam os Centros de Saúde da cidade do Salvador - Bahia

Araújo Magalhães, Maria Myrtes

Guedes de Souza, Ruth

Guimarães de Almeida, Maura Ma.

Silva Costa, Iracy

Portuguese

Archives of the Faculty of Veterinary Medicine UFRGS

A CULTURA DA INTERPRETAÇAO DAS DOENÇAS INFECTO - CONTAGIOSAS INTRODUÇAO Maura Ma. Guimarães de Almeida * Iracy Silva Costa • Maria Myrtes Araújo Magalhães * Ruth Guedes de Souza * R E SUMO: As autoras referem comportamentos, atitudes e conhecimentos expressos pelas mães em relação a doenças como: sarampo, varíola, varicela, parotidite, tuberculose e difteria. Tra-ta-se de um relato das informações de mães de baixo nível sócio-econômico que freqüentam os Centros de Saúde da cidade do Salvador - Bahia. O acervo de recursos humanos e materiais dos Centro de Saúde de Salvador estão sub-utilizados pela população. Entre as possíveis causas des-sa sub-utilização pode ser apontada a insuficiente educação dos indivíduos que , como afirma Foster 1 "implica em mudança de convicção". Confirman-do essa afirmativa, verifica-se que, embora os setores de imunoprofilaxia dos Centros de Saúde de Salvador estejam aparelhados para dar cobertura à po-pulação infantil, as moléstias infecto-contag iosas evitáveis por agentes imu-nizantes continuam endêmicos nesse centro urbano. Acreditamos, portanto, que em programa de educação em saúde, for-mulado com base nos padrões culturais da clientela, que demanda os Centros de Saúde, muito contribuiria para maior utilização dos recursos cientfficos disponíveis e conseqüente redução das taxas de morbi-mortalidade por mo-léstias infecto-contagiosas. Por ocuparem lugar de destaque entre as causas de morbidade e mor-talidade em Salvador, as moléstias infecto-contagiosas receberam especial atenção neste estudo, que teve como objetivo: identificar atitudes, comporta-mentos e conhecimentos de mães que demandam os serviços dos Centros de Saúde de Salvador, na área das moléstias infecto-contagiosas e da vacinação. • Professor Adjunto da Escola de Enfermagem da UFBA. Revista Gaúcha de Enfermagem Porto Alegre, 3(2) :95 - 100, jun. 1982 95 MATERIAL E METODOS A coleta de dados foi efetuada em cinco Centros de Saúde da cidade de Salvador. A unidade de informações foi a mãe, que deveria ter pelo menos um filho em idade esco lar. A mãe foi escolhida por considerar-se o elemento da família mais importante para adoção e transmissão de práticas corretas de saúde. Em função dos dados disponíveis sobre a população de mães, o pro-cesso de amostragem escolhido foi o aleatório estratificado (com repartição ótima) segundo a idade das mães. Para que se conhecesse as características da distribuição da variável de estratificação, aleatoriamente, foram retiradas informações sobre a idade das mães em 500 fichas, sendo 100 de cada um dos Centros e feito estudo específico. O universo foi conceituado como o número de mães que foram assistidas pelos Centros em 1973, desde que aten-dido o critério de seleção. Foi calculado o tamanho amostrai igual a 172 para um CV fixado em 0,15. O instrumento de coleta de dados foi um formulário previamente testado. RESULTADOS Morbidade - Foram declaradas 312 ocorrências de morbidade rela-cionadas às doenças infecto-contagiosas. Tais ocorrências, constatadas du-rante 12 meses, incidiram em 112 famílias. Em 88 famílias não ocorreu nenhuma das doenças pesquisadas segundo informação das mães. As doenças redutíveis por agentes imunizantes somaram 129, o que representava 41 ,3% do total. A doença de mais alta incidência foi o sarampo, representando 36,2%, seguida da parotidite, varicela, coqueluche, tuberculose, varíola e hepatite. Mortal idade - O total de óbitos regi strados foi 417, incidentes em 148 famílias. O maior número de óbitos foi relativo a mortali dade fetal (aborto, natimorto, neomorto). representando cerca de 52,8% do total. Os demais (47,2%) ocorreram nas faixas etárias de O dias a 19 anos. Dos 126 óbitos destas faixas, por causa identificada, 96 aconteceram no primeiro ano de vida: 50 por enterite e outras doenças dia rréicas; 27 por tétano; 13 por ou-tras doenças transmissíveis. Os demais tiveram como causa acidente, hérnia e doenças mal definidas do coração . 96 Revista Gaúcha de Enfermagem Porto Alegre, 3(2) : 95 . 100, j un. 1982 Sarampo - O conhecimento das mães sobre o modo de transmissão do sarampo, apresentou-se bem limitado. Apenas 16,5% tinham um conceito considerado correto, quando responderam que a doença se transmite por " micróbio" 2,0%, e "contato com o doente" ou "objetos contaminados" 14,5%; enquanto que 32,5% responderam que a transmissão se faz através do "vento", do "tempo", do "ar". Apareceram 8,5% mães que não acredita-vam ser o sarampo transmiss ível e o número das que responderam " não sei" atinge a 38,5%. Das medidas profiláticas, a vacina foi a mais conhecida pelas mães, com um percentual de 54,5%. "Evitar contato com o doente" foi respondi -do por 3,5% das mães, "não se pode evitar" foi a resposta de 12,5% e 25,5% desconheciam qualquer medida de prevenção contra o sarampo. No cuidado dispensado ao doente com sarampo, o chá de sabugueiro goza de grande prestígio já que fo i referido por 96,0% das mães, mas o seu valor nem sempre é considerado isoladamente, pois com certa freqüência jun-tavam-se-lhe o chá de milho e de flor de violeta. Certas mães adotavam comportamentos que podem ser prejudiciais ao doente como: "evitar frutas e verduras", " não tomar banho", tomar "chá de fezes de cachorro", " mastigar alho e soprar nos olhos do doente" . Alguns procedimentos inofensivos eram usados: "pano vermelho sob o travesse iro do doente", "colocar grãos de milho embaixo da cama do doen-te e sobre o telhado da casa", "passar uma peneira sobre o doente" ou mos-trá-la ao enfermo. As mães parecem dar pouca atenção ao sarampo por causa de mortalidade. Esta afirmativa baseia-se no fato de citarem apenas nove vezes a consulta médica como cuidado adotado. Varíola - Apenas 18% das mães pesquisadas tinham uma idéia corre-ta sobre a transmissão da varíola e responderam que a doença é causada por "micróbio" ou "contato com o doente e objetos contaminados"; 30,0% responsabilizaram o "vento", o "ar" e o "tempo" pelo aparecimento da doença. Enquanto 40% das mães afi rmaram que a varíola "não pega", 12,0% ignoravam seu modo de transmissão. A vacina foi adotada como medida preventiva contra a varíola por 45,0% das mães, vindo em seguida o isolamento do doente 30,5% responde-ram não saber como evitar a varíola, enquanto 9,5% não acreditavam ser a doença ev itável ., Em rel ação aos cuidados que devem ser dispensados ao paciente, 28,5% das mães recomendaram a assistência médica e o isolamento do doen-te, o que refletiu uma preocupação maior com a varíola do que com out ras doenças eruptivas. Embora somente 6,5% de mães recomendassem "furar as vesículas com espinho de laranjeira e enrolar o corpo do doente em folhas de Revista Gaúcha de Enfermagem Porto Alegre, 3(2) : 95 . 100, jun. 1982 97 bananeira", esse procedimento reveste-se de importância uma vez que pode levar a infecções secundárias. O "chá de sabugueiro" foi indicado por 14,5% das mães e 11,0% recomendaram o "banho com álcool canforado". Aparece-ram também como cuidado indicado no tratamento da varíola, " jogar milho embaixo da cama do doente e sobre o telhado da casa" e "passar a peneira sobre o corpo do doente". Das 200 mães, 36,0% "não sabem" que cuidados dispensar ao doente. Varicela - O modo de transmissão da varicela foi conhecido por 12,0% das mães. Para 37,5% o "vento", o "ar", o "tempo", a "quentura" e a "febre" são os agentes transmissores da doença. Para 5,5% das mães a doença "não pega" e para 55,0% a varicela não é doença transmissível. A respeito da prevenção, 66,0% das mães responderam "não sei"; 22,0% afirmaram que a vacina pode evitar a doença. O conceito correto da profilaxia foi revelado por apenas 17,5% das mães que indicaram o "isola-mento do doente" e "evitar contacto" como meios de proteção da doença. Os procedimentos indicados pelas mães no cu idado com a varicela são os mesmos para as demais doenças eruptivas. Assim responderam por ordem de prioridade "chá de sabugueiro" 8,5%, "evitar frio e vento" 8,0%, "banho com álcool canforado" 7,0%, "evitar alimentos gordurosos" 5,0%, "evitar frutas e verduras 5,0%, "furar as vesícu las com espinho de laran-jeira" 5,0%, "peneirar milho sobre o corpo" do doente, depois jogá-lo sob a cama e sob o telhado da casa" 1 ,5%, e beber "chá de lagartixa" 1 ,0%. "Não sei" foi a resposta de 39,0% das mães. Parotidite - A maioria das mães, 67,5%, informou não saber como se transmite a pa rotidite e 16,0% asseguraram que a doença "não pega"; 10,0% das mães admit iram ser a doença transmitida por " micróbio" e "contacto com o doente e objetos contaminados". O "vento", o "ar" e a "febre" são agentes de transmissão para 23,0% das mães. Como medida profilática, apenas 3,0% das mães mencionaram "evi-tar contacto com o doente". A vacina foi referida por 6,0% mães; o "vento" e o "sereno" por 3,0%; "não se pode evitar a doença" por 19,5% e "não sei" foi a resposta da maioria, ou seja, 67 ,5%. Os cuidados indicados na parotidite foram os seguintes, por ordem de incidência: "aplicação tópica de "limão com cinza", produtos farmacêuticos diversos, evitar "vento e frieza", amarrar um pano no rosto", emplastro de "lama", assistência médica, evitar ai imentos gordurosos, vacina, aplicação tópica de: "casinha de besouro", "vinagre", "anil com óleo", "limão com pólvora", uso de "relíq uia dos milagres" e "reza". Tuberculose - Através do estudo, observou-se que 33,0% das mães possuíam conceitos considerados corretos quanto ao modo de transmissão da 98 Revista Gaúcha de Enfermagem Porto Alegre, 3(2) : 95 • 100, jun. 1982 tuberculose, quando se referiram ao "contacto com o doente" e objetos con-taminados 29,5% e por "micróbio" 4,5%. As demais acreditavam que a doen-ça se transmite "pelo ar", 6,5% "restos de alimentos", 6,5% má alimentação, "pelo hálito" 3,0%, pelo "vento" 2,5%, pela respiração 1,0% e 29,5% respon-deram "não sei". No que se refere à profilaxia da doença 46,0% revelaram conhecimen-to positivo ao referir-se à vacina e evitar contacto com o doente. Cuidado com a saúde e não perder noite foi a resposta de 8,0% das mães; boa alimen-tação e fortificante, de 5,0%; evitar resfriado, de 2,0%; a doença é inevitável, 3,0%. Desconheciam as medidas profiláticas 36,0 das mães. Os cuidados que devem ser dispensados na tuberculose citados pelas mães foram os seguintes por ordem de freqüência: "separar os objetos do doente", "levar o doente ao médico", "isolar o doente", "hospitalizar o doente", "reforçar a ai imentação ", "repouso e higiene" , "tomar medicação", "evitar fi reza", "fazer Raio X", e " tomar sumo de mastruz". Desconheciam os cuidados que devem ser dispensados ao tuberculoso 27,0% das mães. Difteria - Das mães do estudo somente 4,5% tinham uma idéia corre-ta sobre a transmissão da difteria; 91,0% não sabiam como a doença se trans-mite; 1,0% das mães não a consideravam t ransmissível e 3,5% atribuíam a transmissão da doença ao "ar", ao "vento" e à "água sem ferver"_ Percentual bastante significativo de mães (87,5%) ignorava como a doença pode ser evitada. Apenas 8,0% citaram a vacina e isolamento do pa-ciente como medidas profiláticas. As demais recomendaram "cuidados hi-giênicos", "evitar resfriado", "fervura de utensílios" e "gargarejo com fo-lhas de bananeira". Referindo-se aos cuidados ao doente, 73,5% das mães desconheciam qualquer tipo de cuidado; 23,0% mencionaram como primeiro cuidado, a as-sistência médica, enquanto 3,0% das mães recomendaram apenas o isolamen-to do paciente. O repouso, dieta e separação de sanitário foram recomenda-dos por uma mãe que justificou a afirmativa, considerando a eliminação do micróbio da difteria pelas fezes. Vacinas - O B.C.G. foi preferido por 74,0% das mães. Contudo, so-mente 70% conheciam seu valor profilático. A vacina anti-variólica embora conhecida por 70,0% das mães, ape-nas 68,0% responderam que é usada para evitar a varíola. A vacina Sabin, 67,0% das mães conheciam e 63,0% sabiam que a mesma previne a poliomielite. A vacina anti-sarampo, apesar de uso recente, 66,0% das mães tanto a conheciam como sabiam de sua indicação na profilaxia do sarampo. Ao contrário, a vacina anti -tetânica usada há tantos anos, só 40,0% das mães a conheciam. Revista Gaúcha de Enfermagem Porto A legre. 3(2) : 95 - 100. 1un. 1982 99 A vacina tríplice foi a menos conhecida pelas mães entrevistadas. Ob-servou-se que somente 21,0% a conheciam e destas, apenas 3,0% sa biam as doenças que podem ser evitadas com o seu uso . CONCLUSAO Apesar dos Centros de Saúde de Salvador estarem equipados para va-cinar as crianças na faixa etária de O a 4 anos, contra a tuberculose, tétano, difteria , coqueluche, poliomielite , varíola e sa rampo, a incidência dessas doenças continua elevada. Os cuidados aplicados pelas mães às pessoas portadoras das moléstias referidas, são fundamentados em crendices, e " modificação caseira". O completo desconhecimento científico sobre o assunto pesquisado, demonstra a necessidade de intensificar programas de educação em saúde, enfatizando as medidas profiláticas e cuidados com pacientes acometidos de moléstias infecto-contagiosas. BIBLIOGRAFIA SUMMARY : In this work the autors present the attitudes, behaviour and knowledge expressed by mothers in rel ation to diseases such as: measles, smallpose, chickenpose, mumps, diphytheria and t uberculosis. lt is a report on informations from mothers belonging to a low social and economic levei who are users of Health Centers in the city of Salvador - Bahia. 1. FOSTE R, G.M. et alii . "Trabalhando com indivfduos de diferentes meios culturais". At ividades Médico -Sanitárias, n. 57 :3- 14. 1956. 2. PAUL, B.D. "Contextura cultural sanitária". Atualidades Médico-Sanitá-rias, n. 56:3 - 15. 1956. Endereço do Autor: Author's Adress 100 Maura Maria Guimarães de Almeida Departamento de Enfermagem Comunitá ria Escola de Enfe rmagem - U FBA Campus Universitário s/ n'? Va le do Canela 40.000 - Salvador- Bahia Revista Gaúcha de Enfermagem Porto Alegre, 3(2) :95 · 100, jun. 1982 

A cultura da interpretação das doenças infecto - contagiosas

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A cultura da interpretação das doenças infecto - contagiosas

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