A resenha pretende apresentar a exposição "Barroco Ardente e Sincrético - Luso-Afro-Brasileiro", realizada no Museu Afro Brasil, entre agosto de 2007 e março de 2018, tomando como fio condutor o conceito de barroco

Borges, Sílvia Barbosa Guimarães

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184 Arte & Ensaios  |  rev ista do ppgav/eba/ufr j   |  n.  37  |  março 2019Barroco Ardente e Sincrético − Luso-Afro-Bra-sileiroMuseu Afro Brasil,São Paulo, 3 ago. 2017-4 mar. 2018Sílvia Barbosa Guimarães BorgesBarroco é termo plural impregnado de historicidade. É, em sua essência, anacrônico. Integra passado e presente, talvez futuro. Sua pluralidade vai além do tempo e perpassa aspectos das religiosidades sincréticas que marcaram o Brasil colonial, e que ainda se fazem atuais.Como categoria artística – em seu sentido amplo, muito além do estilo wolffliniano – o barroco traduz uma espécie de mito fundador da arte brasileira. Designa a arte de uma época marcada pela religiosidade, ou mesmo um modo de ser no mundo. É, portanto, termo mutável utilizado em diferentes períodos, por variados autores e de maneiras distintas.Para Emanoel Araújo, diretor e curador do Museu Afro Brasil, “o barroco é um movimento contínuo na cultura brasileira”. E é esse movimento que dá ritmo a Barroco Ardente e Sincrético − Luso-Afro-Brasileiro. Pouco, ou quase nada, explicativa a exposição centra-se mais nas obras e em suas narrativas do que em pressupostos elucidativos. Com uso de raros textos, a curadoria concentra-se na composição de espaços que integram fragmentos de um barroco iniciado por projeções das pinturas de teto e despedindo-se ao som do maracatu.A música parece constituir liga entre os objetos, de tal modo que é também um elemento expositivo. É ela a responsável pela cadência que encaminha o espectador para – e por – uma experiência visual. Talvez seja esse o convite mais atraente de Barroco Ardente e Sincrético. O convite à experimentação, sem preocupação de mediar explicações, ensinamentos, conceitos, práticas.Sobre o título dado à exposição o curador chama de ardente a questão da tropicalidade do barroco, evocando o trabalho com a madeira e a mecânica dos afrodescendentes. É também sincrético a partir dessa vertente que engloba o lado profano das festas religiosas, como o bumba meu boi do Maranhão, que celebra RéplicaFrei Agostinho da Piedade, São Agostinho Arrependido século XII, terracota monocromada, coleção particular185RESENHASRéplicaFrei Agostinho da Piedade, São Agostinho Arrependido século XII, terracota monocromada, coleção particularo São João, a cavalhada de Pirenópolis, em Goiás, os reisados de Alagoas e os cortejos dos maracatus de Pernambuco. O barroco, para mim, é um movimento que não tem fim. É contínuo na cultura brasileira. Vem de Portugal, mas encontra aqui o campo ideal para essa construção de identidade.1As palavras de Emanoel Araújo apontam dois aspectos. O primeiro vincula diretamente a arte barroca presente na exposição com a mão afro-brasileira – para usar termo caro ao próprio artista/curador. Cabe destacar que essa exposição, diferente de tantas outras dedicadas ao tema do barroco, toma a presença dos africanos no Brasil e de seus descendentes como eixo central. É essa a contribuição e o elemento integrador entre as obras e o Museu que as recebe. Mais do que citar grandes nomes da arte colonial ou referendar trabalhos atribuídos a artistas renomados, a mostra propõe reflexão sobre seu “lugar de fala”. Seu ponto de origem e seu destino, ambos vinculados às mãos de artistas afrodescendentes.Ao centro, Oratório eremitaséculo XVIII, madeira policromada, coleção particular186 Arte & Ensaios  |  rev ista do ppgav/eba/ufr j   |  n.  37  |  março 2019O segundo aspecto que surge como pano de fundo de sua vertente sincrética é a perspectiva da longa duração do barroco, que atravessa o tempo sendo reinventado pelas práticas culturais populares de um imenso e diverso Brasil.Pelas galerias modernas, projetadas por Oscar Niemeyer, estão disponíveis aos olhos dos visitantes oratórios de diversos tipos e tamanhos, talhas ornamentais, fragmentos de retábulos, mobiliários, pinturas, esculturas em madeira e terracota, objetos litúrgicos em prata, cerâmicas, ex-votos, além de indumentárias e máscaras. Compondo os ambientes há reproduções de painéis de azulejos decorativos e figurativos, bem como de retábulos que se encontram em igrejas coloniais. Destacam-se – como não poderiam faltar – trabalhos de Aleijadinho, Mestre Valentim e Leandro Joaquim. Saltam aos olhos, contudo, as obras de Xavier das Conchas e as quatro pinturas de José Teófilo de Jesus dedicadas às alegorias dos continentes. O panorama apresentado faz rememorar a exposição O Universo Mágico do Barroco Brasileiro, que esteve na Galeria de Arte do Sesi (São Paulo), entre março e agosto de 1998. É como se, ao revisitar o barroco, Emanoel Araújo propusesse ao público outra perspectiva. As duas exposições, entretanto, não indicam contraposição. Parecem complementares, pois mantêm como essência o entendimento do barroco atrelado a uma certa brasilidade, forjado pela soma de variadas expressões artísticas. Após duas décadas, o curador retoma o barroco, que não cessou de mudar.Essa filiação se confirma com o catálogo de Barroco Ardente e Sincrético – Luso-Afro-Brasileiro. Lançada nos últimos dias da mostra, a publicação reedita vários artigos do catálogo de O Universo Mágico do Barroco Brasileiro – que se tornou obra de referência para os estudos do período colonial.É a ideia de movimento que torna essa exposição singular. É o movimento que rompe com as amarras classificatórias e formais, permitindo saltos temporais – quiçá anacrônicos.NOTA1 Serviço Exposição Barroco Ardente e Sincrético − Luso-Afro-Brasileiro. Disponível em: <http://www.museuafrobrasil.org.br/programacao-cultural/exposicoes/temporarias/detalhe?title=%E2%80%9CBarroco+Ardente+e+Sincr%C3%A9tico+-+Luso-Afro-Brasileiro%E2%80%9D>. Acessado em: 15.3.2019. José Joaquim da Veiga Valle, São Miguel Arcanjoséculo XIX, madeira policromada e prata, coleção particular

Barroco Ardente e Sincrético - Luso-Afro-Brasileiro

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Barroco Ardente e Sincrético - Luso-Afro-Brasileiro

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