Pintaud, Silvana

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APRESENTAÇÃO  A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: O SENTIDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS  As transformações no espaço urbano, em qualquer momento da história, sempre implicaram decisões entre/de indivíduos vivendo num espaço comum. As decisões tomadas e levadas a cabo sucessivamente no tempo, por ações do poder público em cada lugar, materializaram-se no espaço urbano e, simultaneamente, transformaram-se em condições de reprodução da vida em sociedade. Assim, o objetivo deste número da Revista Cidades é o de destacar o sentido de decisões políticas que, hoje, implicam transformações no espaço urbano. As políticas públicas urbanas, implementadas por meio do planejamento da cidade, fazem uso de estratégias muito mais úteis à acumulação capitalista que ao bem-estar do citadino. Essas estratégias têm banalizado forma e conteúdo do espaço urbano, contribuindo, com ênfase exacerbada, para a construção de lugares onde prevalece o interesse privado acima de qualquer coisa. A vida cotidiana, diretamente dependente dessas políticas, porque o espaço é necessário à reprodução diária da vida, tem sido alterada, com uma frequência cada vez maior, dadas as condições materiais presentes na contemporaneidade. Isso não quer dizer que as alterações significam uma melhoria das condições materiais de reprodução da vida; ao contrário, constata-se a elaboração de um discurso cada vez mais convincente sobre a oportunidade e a importância de projetos que implicam a renovação de grandes glebas de terras urbanas para a melhoria da vida, tanto no sentido mais restrito, do indivíduo, quanto da cidade. Essa situação fica evidente já no primeiro texto, o de Arlete Moysés Rodrigues, em que a autora analisa a questão da moradia, revelando as reais intenções das políticas públicas perpetradas com o amparo de uma legislação de nível federal, cujo real objetivo é ampliar a reprodução do capital. A autora aponta que, com o fim da estabilidade do emprego no Brasil, muito se ampliaram as possibilidades de acumulação do capital através da exploração do trabalho. Com a instituição do Fundo de Garantia (FGTS) para o trabalhador, o Estado, ao mesmo tempo em que buscou “garantir” a construção de moradias para SILVANA MARIA PINTAUDI 7 Cidades Volume 9 Número 16                                                                           os trabalhadores, usou esse mesmo recurso para a referida construção. O texto mostra diretamente as articulações do estado capitalista para acelerar e ampliar a extração de mais-valia por meio de políticas públicas cujos conteúdos “parecem” beneficiar aqueles que necessitam da moradia como valor de uso. Os dois artigos subsequentes analisam os grandes projetos de renovação urbana, na região metropolitana de São Paulo, que envolvem Operações Urbanas Consorciadas as quais passam a se concretizar no momento em que a crise do capitalismo se acentua. Há, então, predomínio da financeirização do sistema que, justamente, necessita do espaço urbano para se reproduzir. Com aproximações diferentes, mas não conflitantes, as duas autoras, Eulália Portela Negrelos e Isabel Aparecida Pinto Fernandez, analisam as operações urbanas consorciadas, na metrópole paulista, apontando as contradições reveladas na apropriação nova de espaços urbanos, altamente valorizados com o passar do tempo. Enquanto Eulália discorre sobre três projetos em diferentes municípios (Santo André, São Paulo e Guarulhos), Isabel volta sua análise especificamente para o caso da OUC do Eixo Tamanduathey (Santo André). Ambos os artigos provêm de teses de doutorado. Outro tipo de política pública recorrente em inúmeros centros urbanos é aquela voltada para a requalificação dos centros antigos, geralmente tomados por incontáveis ativos financeiros de difícil equação em face das diferenças de condições tecnológicas presentes na época em que foram construídos e as tecnologias que na atualidade se impõem. Uma vez mais, vê-se que o Estado apoia financeiramente e mesmo “patrocina”, com as formalidades legais, as renovações de grandes parcelas do solo urbano no centro de cidades e metrópoles. Esse apoio passa para o público em forma de um discurso que ressalta a importância da cultura e da preservação da memória através do patrimônio edificado; isso quando os projetos de planejamento urbano não ajudam a colocar abaixo vários quarteirões servidos por extensa rede de infraestrutura, com a justificativa de insalubridade ou coisa que o valha. Coloca, então, novamente no mercado, áreas muito centrais, com muita infraestrutura nas proximidades, onde havia imóveis ocupados por pessoas de baixo ou nenhum rendimento ou mesmo por um pequeno comércio e prestação APRESENTAÇÃO. A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: O SENTIDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS                                              Cidades Volume 9 Número 16 8                                                                           de serviços. Os artigos de Everaldo Batista da Costa e José Alberto Rio Fernandes tratam dessa temática: o primeiro, sustentando uma perspectiva teórica sobre a questão e apoiando-se em exemplos de várias cidades para problematizar as intervenções em áreas consideradas especiais (centros históricos) na contemporaneidade: o segundo, trabalhando o assunto a partir do exemplo do Porto, em Portugal, salientando, entre outros aspectos, aqueles que envolvem uma Parceria Público-Privada, dominada por interesses privados. Também com aproximações diferentes, ambos mostram o papel do Estado e a dominância dos interesses do capital na elaboração do planejamento urbano.  Os dois últimos artigos deste dossiê procuram analisar as políticas públicas que implicam planejamento do espaço urbano a partir do ponto de vista do citadino e dos empreendimentos autogestionários. No primeiro caso, Rosa Tello i Rovira analisa a participação cidadã em Barcelona, onde, a partir de 2004, ela já funcionava como “uma forma de legitimação social das atuações urbanísticas públicas”. A autora mostra como o próprio Estado controla os processos de participação e como o faz de diferentes maneiras em porções distintas da cidade, procurando atenuar os conflitos sociais que podem ocorrer como resultado das intervenções no espaço. Ela mostra também que, ao mesmo tempo, emergem organizações de bairro tentando agregar suas propostas às do Estado, fazendo denúncias e movimentando-se contra aquelas que representam modificações para o bairro. No caso da análise empreendida por Tatiane Marina Pinto de Godoy, cujo levantamento crítico considera a forma de trabalho autogestionária dos projetos de economia solidária no Brasil, ela aponta a possibilidade de produção de um espaço urbano que permita, efetivamente, a apropriação plena da cidade. Esse procedimento significa ir muito além dos movimentos sociais reivindicatórios de infraestrutura urbana. A autora, no entanto, destaca a existência de uma pedagogia social como fundamental para dar lugar às novas práticas sociais. Certamente uma possibilidade sobre a qual temos de refletir.  Os questionamentos são importantes e indicam a necessidade da crítica sempre renovada referente às atuações e os discursos produzidos em todas as SILVANA MARIA PINTAUDI 9 Cidades Volume 9 Número 16                                                                           instâncias governamentais no que respeita ao tratamento do espaço urbano pelo planejamento do Estado. Há muito caminho a ser percorrido, tanto na reflexão como na ação, sempre há, como também sempre há chances de que o sentido das políticas públicas para o espaço urbano não seja um, único, e que habitar a cidade e viver nela vá muito além de reproduzir a vida em condições ínfimas.  SILVANA PINTAUDI Universidade Estadual Paulista Campus de Rio Claro silvanapintuadi@uol.com.br   

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