“Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a intenção de permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.” (ROSA, 2005, p. 78)

Martins, Vitor Hugo F.

Santos, Sávio O. Da Silva

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 56 A VIA, A VIAGEM, O VIADOR EM “A TERCEIRA MARGEM DO RIO”, DE GUIMARÃES ROSA    Sávio O. Da Silva Santos1   Prof. Dr. Vitor Hugo F. Martins2       “Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a intenção de permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.” (ROSA, 2005, p. 78).       O conto “A terceira margem do rio”, de João Guimarães Rosa, envolve diversas questões, tanto religiosas, quanto filosóficas, além, é claro, das literárias e ficcionais. O seu enredo é voltado à história de um homem pacato, pai de família, que certo dia manda fazer para si uma canoa. A seguir, deixa sua família e adentra no rio, não com alguma função, nem indo nem vindo. Com alguma intenção secreta, o viador (o pai), “Só quieto”, agora vive às margens do rio, “solto solitariamente”, dentro de sua pequena canoa, sem alimento, nem roupas, apenas ao léu. O narrador dessa estória é um dos filhos do viador.  Tornando o conto misterioso e poético e, principalmente induzindo o leitor às interpretações, é pertinente perceber quatro “porquês”, pontos importantes a serem abordados e interpretados pelo leitor do texto rosiano. Primeiro, o leitor fica indagado com a despedida do pai, poderia estar acontecendo algo no relacionamento conjugal em que se fosse possível a mãe já esperar uma atitude tão radical do pai como a de ir embora? Visto que sua reação contraria a esperança do próprio narrador (o filho). “[...] nossa mãe, a gente achou que ela fosse esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, maçou o beiço e bramou: - Cê vai, ocê fique, você nunca volte!”  Logo após, porque o filho, narrador, quer ir junto com o pai, mas este não lhe diz muito? Apenas lhe faz um gesto: “[...] ele só retornou o olhar pra mim e me botou bênção [...];”. Por fim, porque ao invés de não viajar de uma vez para outro local, se sua intenção era afastar-se da família, ele opta por ficar no entre do rio? E por último, o viador, se o conto dá 																																								 																				1	Discente do VI semestre em Letras Vernáculas com habitação em Língua Portuguesa, pela Universidade do Estado da Bahia, campus XXI.  2 Orientador, professor titular da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XXI.	 	 57 adjetivos positivando o pai, por que ele abandonara sua família? “Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo.”  Sabe-se logo no início da estória que há um rio, um pai e um filho. Trata-se na verdade de um tema preferido de Guimarães Rosa, a viagem. Externa e interna.  A via, ou seja, o porquê do modo usado pela personagem principal para pagar a promessa ou realizar tal proeza. A viagem. É necessário entender que o conto é relatado sobre a visão do narrador, sendo este um dos seus três filhos, portanto, não afirmaremos com exatidão a explicação do ato do pai que baseia o enredo. No entanto, observaremos com a perspectiva da religiosidade, analisando os pontos importantes que estão postos na obra e que fundamentarão as deduções postas sobre o conto.   Através dos estudos biográficos fica comprovado que Guimarães Rosa é um homem do campo. Grande parte de suas obras tem seus enredos voltados aos acontecimentos no meio rural, as pessoas que moram nessas localidades rurais tem seus mitos, histórias, crenças, etc. Seria possível afirmar que seus contos são baseados em histórias que percorrem estes lugares, já que os moradores de roça na maioria das vezes seguem os preceitos da religião católica, tal qual, o pagamento de promessa faz parte de suas adorações.     Primeiramente falaremos sobre “A via”, o caminho o modo o qual o pai usou para distanciar-se da família por longos anos, a canoa.     Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos.    A citação acima ao afirmar que seria pau de vinhático, ou seja, uma madeira usada para fabricar móveis e conhecida por durar muito tempo, significando que a madeira teria que durar por um tempo indeterminado. Outro ponto a ser notado na citação rosiana, é que a canoa teria que caber justo o remador, sendo assim, se ele estivesse pagando uma promessa, estaria justamente segundo o critério religioso, pagar a promessa sozinho. Além de logo em seguida dizer que foi arqueada em rijo, ou seja, que foi toda moldada para não se curvar ou emborcar e nem quebrar com as pancadas que poderia receber.    [...] Resistindo, mesmo nas demasiadas enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus de árvores descendo de espanto de esbarro.      58 O conto aponta algumas sugestões dadas pelos pensados pelos personagens para justificar o feito do pai, sendo estes: doideira, pagamento de promessa ou doença que pudesse contagiar a família. Não querendo nem se afastar nem estar perto, mas ficando no entre do rio, podendo ser um jeito achado pelo pai para pagar a promessa e não perder tudo o que tinha a família, toda de uma só vez. O rio é citado em diversas obras rosianas, em: A terceira margem do rio, ele é representado com adjetivos: grande, fundo, calado e largo. Sempre com simbologias filosóficas, adentrar ao rio seria se transcender, ultrapassar um limite pseudo social, fazendo relação dessa elevação com uma promessa.   “A Viagem”, o deslocamento do pai ou abandono se for analisado na perspectiva da esposa dele. Antes de a canoa ficar pronta, a família acredita que ele agora viraria caçador ou pescador, “seria que, ele que nessas artes não vadiava, se ia agora propor para pescarias ou caçadas?”, mas logo que a canoa fica pronta e ele se direciona ao rio com ela, a mãe já diz algo referente a perda do marido, ou seja, ela já sabia que ele iria embora, mesmo ele não levando consigo roupas, alimento nem dinheiro.    Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalçou o chapéu e decidiu um adeus pra gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula ou trouxa, não fez alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva e pálida, mascou o beiço e bramou: “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!”    O sinal com o chapéu em forma de adeus, não forma uma simbologia afirmando nunca mais voltar, então, já era esperada essa atitude dele, principalmente pela esposa. Pode induzir problemas familiares, porém a forma usada para se afastar, não explica o sentido da ação do pai. A viagem neste conto é uma das partes mais importantes, ele não leva comida, nem roupa, estaria ele deixando as coisas materiais e se expondo a necessidade espiritual ou ele já imagina que seu filho levará comida para a margem do rio?   Saindo da perspectiva analisada através do narrador, se o pai estivesse mesmo pagado uma promessa, ele realmente abandonou sua família? O conto relata que ele não se distanciou, não estava nem perto nem longe, se a família depois vai para cidade, pra longe dele, quem abandonou na verdade? Reflexões podem ser tiradas a partir da viagem do pai, porém deixa dúvidas também, o sentido individual de transcender ou o pagamento de promessa, se o quesito da religiosidade fosse o pagamento de promessa em troca de algo, o que ele ganhara com isso depois de tantos e logos anos a deriva, se seu final é triste?     59 Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.   Voltando a uma análise anterior onde foi relatado que tinham opiniões que pudessem explicar a façanha, como: doideira, promessa e doença. Esta citação deixa evidente que doença não era, pois o pai só ficava no meio do rio e não encostava a canoa sequer do outro lado, seja para descansar ou para se alimentar. Permanecer no entre do rio durante anos, foi a viagem mais longa e dolorosa para o próprio pai, já que aparentemente ele estava preso a si mesmo em ter que permanecer ali.   Por fim, o personagem principal, “O Viador”. O pai conhecido pela maioria das pessoas como homem ordeiro e positivo e depois visto como um louco, após viajar. Ao decorrer do conto aparecem mais qualificações dele, sendo um homem pacato, aparentemente triste, “só quieto”. As coisas que ele pensava, com certeza não eram expostas nem aparentadas, nem muito menos sinal de doideira, descartando assim essa hipótese.  Nem na própria casa ele impõe sua posição de pai, “nossa mãe era quem regia e que ralhava no diário com a gente”. Os homens que moram em localidades rurais costumam ser pacatos. Atitudes como estas são comuns entre eles, façanhas até maiores que a citada no conto, tudo em favor de uma promessa.  Há necessidade de se propor estar no lugar do outro. Dentro do conto, se colocar na posição do pai e entender o porquê de tudo aquilo também, mas apenas o filho se dispõe a estar no lugar dele, neste ponto adentra as questões transcendentes, ao final do conto, o filho que cobrava tanto de si pela atitude do pai e esperava ele voltar, toma a decisão de colocar-se no lugar dele, no entanto não esperava a reação do pai em aceitar, nem muito menos que seria tão difícil estar no lugar dele.   Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... o senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas as vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!...    O leitor ainda que fora de algum campo de visão teórico a quesito de religiosidade e filosofia, compreende que Guimarães utiliza da literatura como ferramenta de reflexão. Não se pode concluir nada sobre uma obra como o conto: a terceira margem do rio, nem concretizar apenas uma análise interpretativa. Mas, precisamente a busca intensa e constante por algum objetivo pode ser precipitada, visto que nem sempre o próprio ser está preparado para decisões que poderão realmente mudar uma trajetória de vida, tanto social, quanto psíquica.    60  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ROSA, Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 

A  VIA, A VIAGEM, O VIADOR EM “A TERCEIRA MARGEM DO RIO”, DE GUIMARÃES ROSA

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