Brêda, João Paulo Lyra Fialho

Paiva, Rodrigo Cauduro Dias de

Passaia, Otávio Augusto

Portuguese

Lume 5.8

                                                            XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 1  XXIII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HIDRÍCOS  ANÁLISE EXPLORATÓRIA DO COMPORTAMENTO DE RESERVATÓRIOS DO SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL  Otávio Augusto Passaia1 & Rodrigo C. D. Paiva²  RESUMO – Dezenas de milhares de barragens foram construídas no mundo para diminuir os riscos de inundação e maximizar os benefícios dos recursos limitados de água doce. No Brasil, o principal motivo para a implementação de grandes reservatórios é a geração hidrelétrica. Todavia, eles podem gerar significativas alterações no regime hidrológico, como atenuação e atraso no hidrograma; e impactos na biota e sedimentação. Logo, é de suma importância estudar e avaliar de que maneira os reservatórios são operados, e quais são as principais variáveis neste processo. Nesta pesquisa foi realizada uma análise exploratória dos dados de 150 reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN). Mostrou-se que as vazões afluente e defluente são altamente correlacionadas, apresentando correlação média de 0.79; vazão defluente e volume, vazão defluente e cota, e vazão defluente e época do ano possuem correlações médias menores (0.31, 0.22 e 0.19 respectivamente). Aparentemente, as correlações não possuem uma relação direta com a capacidade de armazenamento do reservatório. ABSTRACT– Tens of thousands of dams were built around the world to reduce flood risks and maximize the benefits of limited freshwater resources. In Brazil, the main reason for the implementation of the largest reservoirs is hydroelectric generation. However, they can generate significant changes in the hydrological regime, such as mitigation and hydrograph delay; and impacts on biota and sedimentation. Therefore, it is extremely important to study and evaluate how the reservoir’s operation is, and witch are the main variables in this process. In this research, it was done an exploratory analysis of 150 reservoirs from the National Interconnected System (SIN). The results showed that the reservoir’s inflow and outflow are highly correlated, presenting an average correlation of 0.79; outflow and volume, outflow and elevation, and outflow and day of year have lower average correlations (0.31, 0.22 and 0.19 respectively). Apparently, the correlations do not have a direct relation with the storage capacity of the reservoir. Palavras-Chave – Reservatórios, Sistema de Acompanhamento de Reservatórios (SAR), Sistema Interligado Nacional (SIN).                                                             1) Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS). Avenida Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 44302, +55 51 3308 6686, otavio.passaia@ufrgs.br 2) Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS). Avenida Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 44302, +55 51 3308 6686, rodrigo.paiva@ufrgs.br                                                             XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 2  1 INTRODUÇÃO  A água dos corpos hídricos é utilizada para diversos fins, como abastecimento humano, geração de energia, pecuária, irrigação, navegação, manufatura, resfriamento de termelétricas. A humanidade depende da água, porém, ao mesmo tempo, sofre com os impactos naturais do regime hidrológico (como secas e cheias) e também afeta diretamente o balanço natural da hidrologia.  Alguns exemplos de alterações antrópicas são a mudança na qualidade da água e a construção de reservatórios.  Com o objetivo de maximizar os benefícios de recursos limitados de água doce e mitigar os riscos de inundação, foram construídas dezenas de milhares de barragens artificiais nos principais sistemas fluviais do mundo, com capacidade de armazenamento total superior a 8000 km³ (Nilsson et al., 2005; Lehner et al., 2011).  A geração de energia elétrica é o principal motivo para a implementação de reservatórios no Brasil (Bravo et al., 2009), correspondendo a 65,2% da energia elétrica consumida (EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA, 2018). Com a seca severa que atingiu as principais bacias no final de 2012, daquele período até 2015 a participação das hidrelétricas na geração de energia foi de, em média, 76%, com muita utilização das usinas térmicas e grande deplecionamento dos reservatórios, enquanto entre 2000 e 2012, em média 91% da geração era hidrelétrica (Zambon, 2015). Entretanto, questiona-se o quanto essas grandes intervenções estruturais causam alterações nos regimes hidrológicos naturais. Reservatórios armazenam a água e a liberam conforme o padrão temporal exigido pela demanda, suavizando o hidrograma; causam um aumento na evaporação, logo, diminuem a vazão total; afetam a sazonalidade do hidrograma; limitam o transporte de sedimentos e nutrientes; a fragmentação do rio diminui a conectividade natural dentro e entre os sistemas fluviais; entre outros impactos.  Em termos globais, o conhecimento da dinâmica espaço-temporal do armazenamento em lagos e reservatórios é baixo (Busker et al., 2018). Apesar de sua importância para as reservas de água doce, o monitoramento sistemático desses mananciais é muito limitado (Gao, 2015). As redes de medição que registram o armazenamento dos reservatórios são menos unificadas que as redes de vazões naturais e seus registros nem sempre são compartilhados. O sensoriamento remoto é uma alternativa para se criar bases de dados globais com informações das características de lagos e reservatórios (Gao et al., 2012).  A principal base de dados de reservatórios brasileira é o Sistema de Acompanhamento de Reservatórios (SAR), da Agência Nacional de Águas (ANA). Ele possibilita acompanhar como é feita a operação de alguns dos principais reservatórios do Brasil, como os do Sistema Interligado Nacional (SIN), Nordeste e Sistema Cantareira. O sistema possui um mapa de localização das barragens, e                                                             XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 3 informações diárias de cota, porcentagem de volume útil, vazões afluentes, defluentes, entre outras. O objetivo deste trabalho é explorar essas informações dos reservatórios do SIN, analisar quais variáveis regem o comportamento da vazão defluente e, se possível, extrair uma regra de operação unificada para todos esses os reservatórios, que seria então utilizada em modelos hidrológicos de escala nacional.  2 METODOLOGIA Toda a série histórica disponível de todos os reservatórios do SIN presentes no SAR (~150 reservatórios) foi obtida. Foram extraídas informações ao longo de tempo de vazões afluentes e defluentes, cota e porcentagem do volume útil. Esses dados foram comparados com a informação das curvas cota-volume do ONS, quando existiu. Utilizaram-se rotinas de programação em Matlab, gerando diversas variáveis organizadas e sistematizadas. A análise exploratória desses dados foi realizada visualmente por meio de gráficos, e foi calculada a correlação entre a vazão defluente e a vazão afluente, o armazenamento (cota e volume) e o dia do ano (1 a 365). Para a correlação com o dia do ano, foi utilizada a correlação circular, visto que essa variável se repete num padrão constante. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES É importante analisar o comportamento do armazenamento e defluências dos reservatórios para compreender quais variáveis regem esse comportamento (por exemplo, a vazão afluente, a época do ano). São apresentados resultados para seis reservatórios, com o objetivo de abranger diferentes regiões e volumes de armazenamento (Figura 1).  Analisando o comportamento das vazões e cotas no tempo (Figura 2 e Figura 3), é possível observar a sazonalidade, com os períodos de seca e cheia bem demarcados em alguns reservatórios. As curvas cota por porcentagem do volume útil do SAR e do ONS (Figura 4) se sobrepõem, indicando uma concordância dos dados de bases diferentes. Quanto à relação entre cota e vazão (Figura 5), é difícil deduzir qualquer regra de operação com base no seu comportamento. Entretanto, observa-se que os reservatórios de Manso, Porto Estrela e Sobradinho possuem seus maiores valores de vazão no verão e outono; enquanto 14 de Julho, no inverno e primavera, por estar localizado no Rio Grande do Sul. Balbina e Peixe Angical não possuem um padrão claro.                                                              XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 4                   Figura 1 - Localização dos seis reservatórios para os quais são apresentados resultados Figura 2 - Vazões Afluentes e Defluentes de seis reservatórios hidrelétricos brasileiros                                                             XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 5          Figura 4 - Porcentagem do volume útil pela cota, para quatro reservatórios hidrelétricos brasileiros. Volumes do SAR ao longo do tempo em vermelho, curva cota-volume do ONS em azul. Os reservatórios de 14 de Julho e Balbina não disponibilizaram essas informações no SAR e ONS. Figura 3 - Cota de seis reservatórios hidrelétricos brasileiros ao longo do tempo                                                             XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 6  Investigou-se o comportamento médio de algumas variáveis ao longo do ano. Com base na Figura 6, é possível dizer que, para os reservatórios de Manso, Peixe Angical e Porto Estrela, há um período com menor liberação de vazão, entre maio e meados de outubro. Para todos os reservatórios, a vazão defluente pode variar centenas de m³/s para o mesmo dia, em diferentes anos. Visualmente a dispersão é grande, para a defluência e para a afluência (Figura 7). As correlações ficaram na ordem de 0.2, indicando uma certa relação entre o dia do ano e a vazão defluente. Pode-se concluir o mesmo da defluência para a afluência. A maior diferença é na correlação do reservatório de Sobradinho. Sua correlação na afluência é 0,79; e na defluência, 0,16; o que mostra sua grande capacidade de reservação e o impacto na hidrologia. Em bacias sazonais, espera-se uma correlação maior entre afluência e época do ano. A cota (Figura 8) também apresentou alta dispersão para os reservatórios de 14 de Julho, Peixe Angical e Porto Estrela. Enquanto Balbina, Manso e Sobradinho seguem um padrão visível, também indicado pelos seus altos valores na correlação. Os dois últimos têm seu pico máximo em abril, e o mínimo em novembro.      Figura 5 - Vazão defluente de seis reservatórios hidroelétricos brasileiros em função do armazenamento (cota d’água) e estação do ano                                                             XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 7   Figura 6 - Vazão defluente média ao longo do ano, para seis reservatórios hidrelétricos brasileiros. Média em vermelho, demais pontos em azul; no título, nome do reservatório e a correlação da vazão defluente com o dia do ano Figura 7 - Vazão afluente média ao longo do ano, para seis reservatórios hidrelétricos brasileiros. Média em vermelho, demais pontos em azul; no título, nome do reservatório e a correlação da vazão defluente com o dia do ano Figura 8 – Armazenamento (representado pela cota) médio ao longo do ano, para seis reservatórios hidrelétricos brasileiros. Média em vermelho, demais pontos em azul; no título, nome do reservatório e a correlação da vazão defluente com o dia do ano                                                             XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 8 A análise da relação entre a vazão defluente e possíveis fatores governantes (e.g. armazenamento, vazão afluente, época do ano) pode ser estudada por meio do coeficiente de correlação. A variável que mais explica a vazão defluente é a vazão afluente. A correlação média é 0.79. O segundo fator mais relevante é o armazenamento, representado aqui pelo volume e pela cota, com correlações médias de 0.31 e 0.22, respectivamente (Figura 9). A correlação circular entre vazão defluente e dia do ano apresentou correlação média de 0.19, sendo o fator menos importante. Pelos reservatórios possuírem pouca capacidade de regularização, e boa parte operar a fio d’água, a correlação entre afluência e defluência é grande. Goldemberg (2015) mostra que, desde 1985, usinas a fio d’água são construídas em maior número, e houve um declínio sistemático do volume armazenado total brasileiro. “À medida que os novos aproveitamentos se deslocaram para a região amazônica, que é muito mais plana, grandes reservatórios se tornaram mais difíceis de ser incorporados aos projetos por uma variedade de razões, que vão desde os problemas sociais e ambientais ocasionados por eles, até uma falta de interesse de empresas em despender recursos para atenuá-los” (Goldemberg, 2015).  Visualmente, não se pode concluir que quanto maior a capacidade de armazenamento do reservatório, maior a correlação entre a vazão defluente e demais variáveis (Figura 10). O volume do reservatório não parece ser fator determinante neste caso. Observando a Figura 11, tampouco o tempo de residência influencia a correlação entre vazão defluente e armazenamento (cota e volume). Entretanto, quanto menor o tempo de residência, maior a correlação entre vazão afluente e defluente. E, pelo contrário, quanto maior o tempo de residência, menor a correlação entre vazão defluente e dia do ano.  Figura 9 - Histogramas de correlações entre vazão defluente e outras variáveis                                                             XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 9   4 CONCLUSÕES O objetivo do trabalho é verificar se existem padrões no comportamento da vazão defluente de reservatórios brasileiros. Vazões afluentes e defluentes possuem um padrão claro de similaridade, visto que a maioria dos reservatórios são a fio d’água. Quanto às relações entre a vazão defluente e outras variáveis, não é possível afirmar que uma delas explica a outra com grande força. Não foi observada uma relação da correlação com o aumento do volume do reservatório. Figura 11 - Correlação pelo tempo de residência do reservatório Figura 10 -  Correlação pela capacidade de armazenamento do reservatório                                                             XXIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 10 Não se verificou uma forma sistemática de enquadrar todos os reservatórios em uma regra que pudesse ser resumida em um modelo simplificado de vazões defluentes. É por essa razão que os principais modelos globais com reservatórios utilizam algoritmos simplificados de defluência, ou então uma regra que leve em conta as demandas de água dos reservatórios.  AGRADECIMENTOS – O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil. Os autores também agradecem ao IPH, UFRGS e CAPES pelos auxílios em dinheiro, estrutura física, equipamentos, passagens e diárias. REFERÊNCIAS BRAVO, J. M. et al. (2009) “Incorporating forecasts of rainfall in two hydrologic models used for medium-range streamflow forecasting”. Journal of Hydrologic Engineering, v. 14, n. 5, pp. 435-445. BUSKER, T. et al. (2018) “A global lake and reservoir volume analysis using a surface water dataset and satellite altimetry”. Hydrology and Earth System Sciences. EMPRESA, DE PESQUISA ENERGÉTICA. (2018) “Balanço energético nacional 2018: ano base 201”. Rio de Janeiro. GAO, H.; BIRKETT, C.; LETTENMAIER, D. P. (2012) “Global monitoring of large reservoir storage from satellite remote sensing”. Water Resources Research, v. 48, n. 9. GAO, H. (2015) “Satellite remote sensing of large lakes and reservoirs: From elevation and area to storage”. Wiley Interdisciplinary Reviews: Water, v. 2, n. 2, pp. 147-157. GOLDEMBERG, J. (2015) “O estado atual do setor elétrico brasileiro”. Revista USP, n. 104, p. 37-44. LEHNER, B. et al. (2011) “High‐resolution mapping of the world's reservoirs and dams for sustainable river‐flow management”. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 9, n. 9, pp. 494-502. NILSSON, C. et al. (2005) “Fragmentation and flow regulation of the world's large river systems”. Science, v. 308, n. 5720, pp. 405-408. ZAMBON, R. C. (2015) “A operação dos reservatórios e o planejamento da operação hidrotérmica do Sistema Interligado Nacional”. Revista USP, n. 104, pp. 133-144. 

Análise exploratória do comportamento de reservatórios do Sistema Interligado Nacional

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