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    Tradução e escrita testemunhal em Mémoires de prison

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    Propomos refletir sobre o processo tradutório do testemunho de Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere (1954), ressaltando as marcas do contato com essa escrita “penosa” que a tradução de Antoine Seel e Jorge Coli, Mémoires de Prison (1988), põe em relevo O testemunho original relata a prisão arbitrária sofrida pelo autor durante a ditadura Vargas e a experiência traumática do cárcere. A narração dessas memórias sinaliza para o seu conturbado processo de escrita de situações limites, encenando a aporia que, segundo Jacques Derrida (2000b), comanda o processo tradutório: a necessidade dominante de traduzir e, ao mesmo tempo, as limitações da tarefa. Essa aporia atravessa as leituras do filósofo acerca do gesto testemunhal. Como afirma, ao apresentar-se como único sujeito a presenciar uma verdade, a testemunha recusa a traduzibilidade e a possibilidade de ser substituída (DERRIDA, 2000a), numa performance do que lemos nos últimos versos de Ashenglorie, por Paul Celan: ninguém testemunha pela testemunha. Contudo, Derrida (2000a) argumenta que o testemunho só tem valor quando é traduzível e, assim, comunicável. Considerando que a necessidade tradutória coexiste com a impossibilidade de sofrer e sobreviver no lugar da testemunha, enxergamos o primeiro obstáculo para os tradutores. Como repetir o testemunho de Graciliano, traduzindo suas feridas, diante da impossibilidade de testemunhar em seu lugar? Numa reflexão sobre tradução e testemunho, Marc Crépon (2006) sugere que, diante do desafio tradutório impossível, deve-se testemunhar o encontro com a escrita original e fazer da tradução o documento desse encontro. Ou seja, em vez de testemunhar pela testemunha, deve-se testemunhar, na tradução, as impressões do contato com o corpo textual ferido do original. Argumentamos que a escrita tradutória das Memórias se revela um processo de recriação em que seus tradutores foram tocados pelo peso da escrita do cárcere, forjando na tradução o testemunho das impressões diante do original

    O GENOCÍDIO DE CANUDOS COMO TRAUMA E OS SERTÕES COMO RELATO TESTEMUNHAL

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    Este texto propõe uma leitura da obra mestra de Euclides da Cunha como um gesto testemunhal, que, como tal, manifesta a relação traumática entre escritor/testemunha e língua na representação do acontecimento traumático do genocídio do povoado de Canudos. Euclides atesta a “fragilidade da palavra” para traduzir as barbaridades cometidas pela república em nome de uma unidade nacional. Ao engendrar um jogo com a “fragilidade da palavra” para dar conta da violência de Estado que testemunha, Euclides transforma o que deveria ser um relato jornalístico em uma epopeia em prosa do genocídio sistematizado pela “civilização”, elaborando um monumento dessa ferida que, entre outras, permeia nossa história. O trauma inscrito em Os sertões não apenas atribui um aspecto testemunhal à obra, como também marca a escrita de tal modo que a tradução daquela barbárie em palavras não ocorre de forma tranquila. A escrita testemunhal, falando com Seligmann-Silva (2005, 2008), abala os limites entre história e literatura, memória e ficção. A escrita d`Os sertões não só abala esses limites como também é perturbada por eles, especialmente no que se refere à aporia entre a ambição de arquivo histórico e o inquietante espectro da ficção e da literatura. Os sertões, como argumentaremos, permanecem no lugar indecidível do testemunho. Lugar em que, segundo Derrida (2000), concorrem, sem ser possível decidir por um lado: a possibilidade de literatura ou uma verdade factual que a testemunha promete relatar
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