Catarino, Acácio F.

Portuguese

Revistas Científicas da Universidade Católica Portuguesa

Acácio E Catarino ♦1. Algumas constatações• Presidente da Caritas Portuguesa.109Esta breve exposição — que vem apenas complementar outras de âmbito mais vasto e de enquadramento teórico — limita-se à apresentação de algumas sugestões de ordem prática, precedida pelo enunciado de algumas constatações.Obviamente, as sugestões — reduzidas apenas a três — cobrem tão-somente algumas actuações recomendáveis. Podem não ser as mais relevantes, mas confi­guram-se, pelo menos, como indispensáveis.CIDADE ACOLHEDORA — ESPAÇO PROMOTOR: TRÊS SUGESTÕES DE ACTUAÇÂO NO PLANO LOCAL1.1. Portugal ainda não se preparou para acolher condignamente os imigrantes e grupos culturais minoritários (ou «minorias étnicas»») que nele vivem ou o demandam. Durante muitos anos não se assumiu como país de imigração, alegando (tacitamente?) que era sobretudo um país de emigração. Havia legislação e existiam práticas administrativas referentes ao trabalho de estrangeiros; não, porém, relativamente à imigração enquanto tal. Mesmo hoje em dia, apesar dos avanços verificados, ainda é discutível que se possa falar verdadeiramente de política de imigração.Pode invocar-se a não discriminação como princípio justificativo da não adopção de medidas especialmente favoráveis a imigrantes e a minorias socio- culturais. Mas, por outro lado, importa ponderar que o princípio se complementa com o da «discriminação positiva». E que este, sob vários aspectos, poderá ser aplicado, em simultâneo, a vários grupos sociais desfavorecidos de nacionais de Portugal.Invocam-se por vezes, e com algum fundamento, as limitações económicas e financeiras que pesam sobre a sociedade portuguesa, impedindo-a da pros secução desejável de objectivos sociais. Isso todavia não toma impossível a definição clara de linhas de orientação adequadas — o que, em parte, já acon­tece — e, sobretudo, não inviabiliza um forte movimento de parceria consistenteAcàcio F. Catarinoa) Associações de imigrantes e de membros de minorias socioculturais.1101.2. Apesar das limitações acabadas de sumariar, é bastante elevado o número de entidades públicas e privadas que se ocupam dos problemas da imigração e das minorias socioculturais. Para além dos departamentos públicos, são de referir, nomeadamente:Trata-se de um elevado número de associações, em geral profundamente enraizadas nas respectivas populações e dispondo de meios e de pessoal variável mas, por via de regra, bastante limitados. Não seria difícil reforçar este potencial de actuação mediante pequenas ajudas técnicas, financeiras e de ligação das associações entre si e com outras entidades;Por via de regra também não dispõem de meios nem de pessoas suficientes e, de algum modo, precisam de apoios análogos aos das associações referidas na alínea anterior.b) Associações e outras instituições de base religiosa, sociocultural, cívica, científica, de promoção do desenvolvimento ou de outra natureza, que se dedicam especialmente ao apoio àquelas populações.em que participem o Estado e inúmeras instituições e outras entidades que actuam neste domínio.Também não faz sentido o Estado e a «sociedade civil» invocarem, a favor de uma actuação ainda insuficiente, as dificuldades de natureza sociocultural em lidar com a temática da imigração e das socioculturas minoritárias. Aliás, dificuldades análogas se observam em relação à pobreza, exclusão social e suas vítimas, independentemente do país de origem e das suas socioculturas.Todavia, muitas questões em presença já se encontram esclarecidas no aspecto técnico e até nas práticas experimentadas em instâncias diversas, dentro e fora do País. Todo um saber aprofundado e experimentado se encontra disponível neste domínio, o mesmo acontecendo com a vontade e determinação de não poucas entidades públicas e privadas.Entretanto, quando se fala de actuações insatisfatórias no País, relativamente à imigração e às minorias socioculturais, há que não perder de vista uma forte constrição que vem marcando gravemente a sociedade portuguesa. Trata-se da atrofia do exercício de cidadania. A assunção de cada pessoa e de cada grupo social como responsável perante a sociedade e, ao mesmo tempo, como bene­ficiária — num misto interligado de deveres-direitos — encontra-se ainda pouco desenvolvida entre nós. Daí a opção por linhas de orientação pessoal, grupai e colectiva em que predomina a autodefesa misturada com o aproveitamento máximo, e até abusivo, de oportunidades, nuns casos, e a insuficiência, e até inexistência das mesmas, noutros.Obviamente, este contexto não favorece a disponibilidade para outrem, designadamente para a população imigrante e as minorias socioculturais.Cidade acolhedora - espaço promotor: três sugestões de actuação no plano local2. Algumas propostas2.1. Reforço dos núcleos de acção local já existentes111Muitas delas actuam na acção sociocultural genérica, nada obstando — antes pelo contrário — a que se dediquem àquelas populações. Outras, actuando em domínios específicos, também podem revelar uma certa abertura ao mesmo trabalho. Daí que muitas de entre elas reúnam condições para desenvolverem uma actuação específica ou para tomarem parte em actuações conjuntas minimamente concertadas com as entidades atrás referidas.A eventual criação de uma instância de cooperação em que participem todas essas entidades, incluindo os departamentos públicos — em especial o Alto Comissariado respectivo, que poderia desempenhar aí um papel deci­sivo —, seria porventura a via mais adequada ao fomento das actuações desejáveis e generalizadas a todas as populações em causa.Em todo o caso, dispõem de enquadramentos e relações institucionais com certa capacidade. Por tal motivo — beneficiando ou não de apoios espe­cíficos — acham-se especialmente vocacionadas para se aliarem àquelas asso­ciações e desenvolverem, com elas, actuações sistemáticas promotoras do desenvolvimento de identidades, neutralizando discriminações;c) Associações e outras instituições com as características das referidas na alínea anterior mas que não se dedicam especificamente a imigrantes nem a minorias socioculturais.Por núcleos de acção local entendem-se aqui as diferentes unidades de trabalho social (em sentido amplo), pertencentes ou não a associações ou outras instituições, que desenvolvem a sua actividade, em bairros ou outros espaços territoriais, a favor de imigrantes, minorias socioculturais, outros grupos sociais ou populações locais no seu todo.Como atrás se assinalou, as propostas aqui formuladas são meramente parcelares e não se situam no nível desejável de profundidade. No entanto, a sua concretização poderia desencadear novos dinamismos, ou reforçar os que já existem, a favor da necessária globalidade e profundidade de actuações.Propositadamente, todas elas respeitam a núcleos de acção local. É aí, na verdade, que se vive a acuidade dos problemas e se testa a validade das medidas de carácter geral. Outras instâncias de actuação, pública e privada, são igualmente indispensáveis, validando porém o seu comportamento na medida em que se vinculem aos imperativos dos problemas reais e disponibilizem, para a respectiva solução, os recursos e intervenções de ordem global e estrutural.Acácio F. Catarino2.2. Criação de núcleos de acção local onde não existam112Com base na experiência observada no terreno e ponderando também os contributos de estudos realizados sobre a matéria, parece recomendável o desen­volvimento sistemático e harmónico de, pelo menos, quatro linhas de acção:Realizações associativas, empresariais, ou de outra natureza, nos domínios da educação, da saúde, da habitação e do trabalho-emprego-formação constituem exemplos daquilo em que se pode traduzir o desenvolvimento social.É de notar que o adjectivo «social» não vem reduzir o âmbito do desenvolvi­mento — fechando-o a outras dimensões —, mas sim acentuar nele a base social e humana, quer em termos de centros de iniciativa a respeitar, quer em termos de aspectos a considerar.a) apoio social em sentido lato, não descurando o atendimento e a defesa de direitos;b) apoio no processo educativo nas suas múltiplas vertentes, não esque­cendo a alfabetização e a aprendizagem do português, quando se tornem necessárias, e as dimensões interculturais daquele processo;c) participação activa, integrada e grupai (sendo caso disso) na solução de problemas básicos, designadamente os de saúde, habitação, segurança social e emprego. Talvez, mediante a adopção de metodologias seme­lhantes às preconizadas para os programas de inserção no âmbito do «rendimento mínimo garantido», seja possível despistar, a nível de família, agregados afins e indivíduos isolados, os diferentes problemas básicos a resolver, e suscitar actuações centradas nessas mesmas unidades e, simul­taneamente, nos conjuntos de pessoas atingidas por problemas idênticos. A partir destas vias de actuação, é possível levar a efeito programas de trabalho de base pessoal e, ao mesmo tempo, de incidência colectiva;d) promoção de iniciativas de desenvolvimento social que, partindo dos processos referidos na alínea anterior e de outros mecanismos de formação de vontade colectiva, se traduzam nos dinamismos, decisões e realizações dessa mesma vontade.Sem uma distribuição equitativa de núcleos de acção local, inserindo-se em todas as localidades em que vivam imigrantes ou grupos socioculturais mino­ritários, não se actua com o mínimo de adequação neste domínio. É que, em relação às populações em causa, tal como em relação a muitas outras, não basta a existência de legislação e de medidas de política. Impõe-se, além disso, a ligação permanente entre as populações e a legislação e medidas. Impõe-se, de igual modo, a não atrofia e — pelo contrário — o fomento das diferentes identidades.Cidade acolhedora - espaço promotor: três sugestões de actuação no plano local2.3. Realização de encontros, pelo menos anuaisEstes encontros ciestinar-se-iam, nomeadamente, a:1138Tal como se impõe o contributo activo e sistemático para que a legislação e as medidas não sendo aplicadas efectivamente e de maneira correcta e, por outro lado, se dê a adaptação entre elas e a realidade.É possível que o poder político não incentive a criação de grupos de acção local por razões de ordem financeira ou por receio de reivindicações incompor­táveis. Acontece, porém — quanto às razões de ordem financeira —, que são bastante modestos os custos decorrentes da criação dos núcleos, até porque o trabalho neles realizado pode ser feito, no todo ou numa parte significativa, em regime de voluntariado. Quanto às reivindicações — que, não raro, também envolvem aumento de despesa pública — haverá vantagem na sua canalização através de instâncias adequadas, de preferência a circunscreverem-se a movi­mentos subterrâneos, desprovidos de entidades aceites como representativas.c) a promoção de acções de influência junto do Estado e de outras enti­dades, visando nomeadamente a adopção de legislação, medidas e outras actuações adequadas e o seu cumprimento efectivo.a) análises de situações e do quadro legal e político. Mais concretamente, as análises abrangeriam:al) as situações em que se encontram os imigrantes e os grupos socio- culturais minoritários;a2) a aplicação da legislação e medidas de política em vigor;a3) a adequação dessa mesma legislação e dessas medidas;a4) a evolução verificada, a partir do encontro precedente, e a avaliação da sequência dada às respectivas conclusões;b) a melhoria de actuações dos núcleos de acção local e de todas as enti­dades públicas e privadas que actuam neste domínio. Em ordem a esta melhoria, realçam-se:bl) a assunção de compromisso para o trabalho;b2) a formulação de propostas endereçadas ao Estado e a outras enti­dades;

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