Scudeller, Veridiana Vizoni

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Archives of the Faculty of Veterinary Medicine UFRGS

NOTA CIENTÍFICA Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 258-260, jul. 2007   Introdução  Por sustentabilidade ecológica entende-se a capacidade de uma dada população de ocupar uma determinada área e explorar seus recursos naturais sem ameaçar, ao longo do tempo, a integridade ecológica do meio ambiente. Segundo Lima & Pozzobon [1], a falta de opções econômicas para a sobrevivência imediata das populações resulta em pobreza e degradação ambiental, uma vez que para os autores, as mesmas estão intimamente relacionadas.  Como elemento chave da estratégia de sobrevivência na região amazônica, a biodiversidade desempenha um papel fundamental no contexto econômico, social e cultural das populações tradicionais, muitas vezes constituindo-se em única fonte de recursos para a sua sobrevivência [2]. Além de possuir uma grande riqueza biológica formada pelos ambientes naturais, a floresta Amazônica possui uma grande riqueza cultural proveniente do conhecimento das populações locais que residem na região.  Portanto, os processos de integração e relação de comunidades rurais com o meio ambiente, suas relações sociais, políticas, econômicas e suas estratégias de sobrevivência e uso da biodiversidade em uma área de conservação próximo a um grande centro urbano, a cidade de Manaus, constitui-se no objetivo principal do projeto Biotupé (http://biotupe.inpa.gov.br).  Então, a partir de um extenso trabalho de campo realizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Tupé (projeto Biotupé/Temático – FAPEAM 958/2003), durante os anos de 2004 a 2006, pretende-se extrair algumas conclusões acerca da viabilidade econômica do uso de alguns recursos vegetais não-madeireiros pelos comunitários, como óleo de copaíba, produção de geléia de cupuaçu e artesanato, para geração de renda e melhoria da qualidade de vida. O objetivo desse trabalho foi avaliar a implantação de atividades de uso dos recursos naturais numa comunidade na RDS Tupé.  Material e métodos A. Área de estudo A RDS Tupé localiza-se na margem esquerda do rio Negro, a Oeste de Manaus, distante aproximadamente 25 km em linha reta do centro da cidade, a uma altitude média 20 m a.n.m. Apresenta atualmente os seguintes limites: começa na confluência do rio Negro com a margem direita do igarapé Tatu (03o 03’02,241”S e 60o 17’46,121”W), seguindo por este até a sua nascente (03o 01’18,293”S e 60o 19’10,903”W); desse ponto, segue por uma linha reta no sentido sul/norte até o igarapé Acácia (02o 58’03,139”S e 60o 19’10,405”W), daí, por uma linha mediana, até a confluência com o igarapé Tarumã-Mirim (02o 57’25,023”S e 60o 12’45,624”W), e por fim segue pela margem direita do igarapé Tarumã-Mirim até a sua foz com o rio Negro (03o 01’42,851”S e 60o 10’30,770”W), seguindo pela sua margem esquerda, até o ponto inicial do igarapé Tatu (Fig. 1).  Na RDS Tupé estão inseridas seis comunidades, das quais o Projeto Biotupé/Temático atuou na Colônia Central (Fig. 1). De uma forma geral, as comunidades da RDS Tupé podem ser descritas como povoados ou grupos de unidades residenciais compostas de várias famílias, distribuídas de forma irregular, organizadas em associações formais criadas para cooperar sobre decisões relacionadas à educação e economia [3].  A comunidade Colônia Central situa-se em área de terra firme da RDS Tupé, sendo seu acesso realizado através das trilhas: Central (2km), dos Índios (2km) e da Copaíba (1km), utilizadas por moradores e pesquisadores do projeto Biotupé. Num levantamento preliminar realizado pela equipe do projeto Biotupé foi indagado junto às famílias de moradores da Colônia Central se gostariam de explorar os recursos naturais da área para geração de renda e quais atividades gostariam de realizar. 83% afirmaram que gostariam de realizar atividade produtiva.  B. Quantificação dos recursos explorados  Para o estabelecimento da viabilidade do uso alternativo para geração de renda a partir da exploração do óleo de copaíba, da produção de geléia de cupuaçu e de artesanato, houve necessidade de realizar um levantamento quantitativo da vegetação. Foram feitas caminhadas na mata para identificar e quantificar os indivíduos dessas espécies para determinar o potencial de produção da área, além de estimar a produção total de cupuaçu nas roças.   Para o estudo da vegetação, uma parcela de 0,5 ha foi instalada e todos os indivíduos arbóreos com PAP≥30cm foram amostrados. Nessa parcela também foi realizado um censo dos indivíduos de cipó-titica (Heteropsis spp.), onde cada indivíduo foi etiquetado, identificado, contado o número de fios por feixes de raízes e estimada a altura na planta hospedeira. Foram Uso de Recursos Vegetais Não-Madeireiros como Alternativa de Geração de Renda na RDS Tupé-AM Veridiana Vizoni Scudeller1  ________________ 1. Professora do mestrado em Biotecnologia e Recursos Naturais, Escola Superior de Ciências da Saúde – UEA. Av. Carvalho Leal, nº1777, CEP 69.065-001 - Manaus –AM. E-mail: scudellerveridiana@hotmail.com Apoio financeiro: FAPEAM.  Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 258-260, jul. 2007  259 identificadas as espécies arbóreas utilizadas pelo cipó-titica como suporte, mensurado o PAP e estimada a altura total da árvore.   Também foram abertas 2 trilhas e das 22 copaibeiras encontradas, 10 foram exploradas. E por fim, foi realizada prospecção de mercado na cidade de Manaus, levantando os produtos derivados do cipó-titica, do óleo de copaíba e de cupuaçu, preço de compra e venda, preferências e qualidade.   Resultados e discussão A. Pesquisa de mercado  Os principais resultados da quantificação dos recursos estão sumarizados na Tabela 1. Analisando os resultados das entrevistas, verificou-se que nenhum estabelecimento compra óleo procedente da região norte e apenas três estabelecimentos mostraram interesse pelo óleo da RDS Tupé, entretanto, exigiram a certificação química do produto. Quanto ao cupuaçu, os moradores não fazem a quantificação por safra e a venda do fruto in natura é feita em geral para atravessadores.   Em levantamento realizado nas feiras livres, pequenos varejistas e nas redes de supermercados de Manaus, constatou-se que a comercialização de cupuaçu em forma de polpa, doce e sorvete vem crescendo nesses estabelecimentos. Já nas feiras livres e nos pequenos comércios varejistas, dá-se o oposto, sendo a forma predominante de comercialização o fruto in natura. Nesse levantamento, percebeu-se, também, que as redes de supermercados têm um patamar de exigência que foge ao alcance dos pequenos produtores do município, mas na realidade muitos deles não sabem a procedência da polpa e seus derivados. No início de 2006 constatou-se que a venda do fruto no varejo estava chegando a R$ 2,78/kg em supermercados de grande porte e a R$ 2,00/kg em mercados de médio porte.  Na RDS Tupé, a falta de infra-estrutura para o escoamento da produção é um fator muito limitante. Além disso, a produção é muito aquém do esperado porque existem todos os tipos de pragas e doenças na cultura.   Tentou-se entrevistar os moradores da comunidade Colônia Central para estimar o tempo gasto para extração, beneficiamento e confecção de utensílios com cipó-titica, mas os que sabiam utilizar esse recurso não foram encontrados, mesmo após 5 visitas à comunidade. A partir de conversas informais, acredita-se que a extração desse produto na mata, "limpeza" (ato de arrancar o ritidoma do cipó), separar os fios em feixes e confecção de produtos, compreendem de cinco a sete dias de trabalho.   B. Organização comunitária  Um fator determinante para o agravamento das condições de vida e de não utilização adequada dos recursos naturais na comunidade Colônia Central é a constatação de que, apesar de terem força de vontade, há a ausência de uma organização comunitária. Iniciar esse processo de construção da convivência comunitária é um desafio e também uma necessidade na busca do respeito ao meio ambiente e de melhoria na qualidade de vida dessas populações. A falta de organização de fato (não apenas no papel) dos comunitários foi uma das dificuldades encontrada para o sucesso das atividades propostas. Analisando os resultados obtidos e, principalmente, buscando entender porque as atividades propostas aos comunitários não foram desenvolvidas, chega-se a 4 prováveis explicações: 1. no momento da proposição desse projeto a comunidade parecia organizada, mas assistindo as assembléias da associação ficou evidente que os líderes não representavam a vontade do grupo e, nem sequer moravam na comunidade (e sim em Manaus, visitando a RDS periodicamente); 2. os comunitários estão acostumados com intervenções puramente assistencialistas e ficam sem saber lidar com situações onde os mesmos tem que planejar e desenvolver as atividades; 3. as relações sociais são muito instáveis e não foi devidamente trabalhado com os comunitários a dissociação da pessoa com as atividades, o que tornou o grupo mais restrito ainda, pois quando houveram os desentendimentos, alguns comunitários simplesmente desistiram de participar das atividades (reduzindo ainda mais o grupo); e por fim, 4. a falta de perspectiva imediata de retorno financeiro no desenvolvimento das atividades fez com que os comunitários não dispensassem um dia de trabalho na roça de mandioca para a exploração do óleo de copaíba, por exemplo. No entanto, como foi visto no item anterior e na Tabela 1, a exploração do óleo é rápida e pode ser lucrativa.  Portanto, apesar das atividades se mostrarem sustentáveis e possivelmente viáveis economicamente quando se trabalha em pequena escala, sem a organização e o envolvimento dos comunitários, não há desenvolvimento social nem melhoria da qualidade de vida.  Agradecimentos Gostaria de agradecer aos estudantes que trabalharam no projeto Temático/Vegetação (Lúcia Helena, Alexandre Lisboa, Renata Ramos, Adriana Souza) e aos comunitários que permaneceram até o fim das atividades do projeto.  Referências  [1] LIMA, D.; POZZOBON, J. 2005. Amazônia socioambiental. Sustentabilidade ecológica e diversidade social. Estudos avançados 19(54): 45-76. [2] LISBOA, P.L.B. 2002. Caxiuanã: Populações Tradicionais, Meio Físico e Diversidade Biológica. Belém, Museu Paranaense Emílio Goeldi.,. 734p. [3] SCUDELLER, V.V.; APRILE, F.M.; MELO, S.; SANTOS-SILVA, E.N.; 2005. Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé: características gerais. In: SANTOS-SILVA, E.N.; APRILE, F.M.; SCUDELLER, V.V.; MELO, S. (Orgs.) Biotupé: meio físico, diversidade biológica e sociocultural do baixo rio negro, Amazônia central. INPA, Manaus, Am. p. XI-XXI. Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 258-260, jul. 2007  260  Tabela 1. Resumo das principais atividades desenvolvidas no âmbito do projeto e seus principais resultados.  Os recursos Dificuldades encontradas  Óleo de copaíba1 Em média cada árvore produziu 0,5 litro de óleo por exploração. Ressaltamos que os indivíduos explorados eram de médio porte, com PAP ≈ 160cm. Os comunitários não foram marcar outras árvores e nem acompanharam a exploração realizada pela equipe do projeto. Depois, alguns comunitários demonstraram interesse particular, mas não tornar isso uma atividade coletiva.  Cipó-titica2 Foram amostrados 160 indivíduos de Heteropsis sp. Com uma produção total de 316.122 m de cipó-titica por hectare. Desses, apenas 57,5%, ou seja, 92 indivíduos estavam maduros. Portanto, existe cerca de 2.500m/ha de cipó-titica que poderiam ser extraídos. Os comunitários da Colônia Central perderam o interesse em trabalhar com cipó-titica, uma vez que apenas um deles tinha o domínio da técnica.  Beneficiamento do cupuaçu3 Segundo os moradores da Colônia Central existe uma área de 25.864 m2 com 9.300 pés de cupuaçu, com espaçamento entre indivíduos de 3,3 m e idade média de cinco anos e quatro meses. A produção constatada foi muito inferior ao que os comunitários relataram e, devido aos incorretos tratos silviculturais o rendimento foi menor ainda. Mas mesmo qualificados nenhum comunitário produziu geléia na safra seguinte.  Fonte: 1 Lisboa & Scudeller 2006; 2 Ramos & Scudeller 2006; 3 Araújo-Jorge & Scudeller 2006. Relatório de pesquisa apresentado à Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – processo 958/2003)     Figura 1. Limites e localização das comunidades existentes na RDS Tupé e no seu entorno.   

Uso de Recursos Vegetais Não-Madeireiros como Alternativa de Geração de Renda na RDS Tupé-AM

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