Azevedo, Aristéa Alves

Sant'Anna-Santos, Bruno Francisco

Portuguese

Archives of the Faculty of Veterinary Medicine UFRGS

NOTA CIENTÍFICA  Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 48-50, jul. 2007    ________________ 1. Doutorando do Departamento de Biologia Vegetal, Universidade Federal de Viçosa. Av. PH Rolfs, s/n, Viçosa, MG, CEP 36570-000. E-mail: brunoufv@yahoo.com.br 2. Professor Adjunto do Departamento de Biologia Vegetal, Universidade Federal de Viçosa. Av. PH Rolfs, s/n, Viçosa, MG, CEP 36570-000. Apoio financeiro: CAPES. Introdução  A degradação de diversas formações vegetais no entorno de alguns pólos industriais no Brasil encontra-se, significativamente, relacionada à presença de flúor na atmosfera, em conseqüência da atividade de fontes emissoras [1], especialmente fábricas de alumínio e cerâmicas [2]. Algumas espécies capazes de tolerar a presença de poluentes, ou biosensores, reagem discretamente aos efeitos da poluição, com sintomas não visíveis a olho nu, sendo, desta forma, fundamental a detecção de alterações utilizando-se técnicas microscópicas [3]. Já as espécies muito sensíveis, ou bioindicadores, reagem visualmente à ação de poluentes [3]. Entretanto, análises micromorfológicas e anatômicas podem auxiliar no diagnóstico precoce da injúria, antes do surgimento de sintomas visíveis.  Nos países em desenvolvimento, a falta de monitoramento, associada ao acréscimo nas emissões de poluentes atmosféricos, requer a adoção de métodos para o controle da qualidade do ar, incluindo a seleção de espécies bioiondicadoras e/ou biosensoras adequadas ao clima local [1,2]. Dados baseados somente na análise visual dos sintomas podem subestimar o potencial de dada espécie para biomonitoramento [4], sendo a análise microscópica fundamental.  Desta forma, objetivou-se avaliar a sensibilidade de duas espécies arbóreas tropicais ao flúor (15mg.L-1), Joannesia princeps Vell. (Euphorbiaceae) e Spondias dulcis Forst. F. (Anacardiaceae), através de parâmetros macroscópicos, associando-se as respostas morfológicas a aspectos microscópicos.  Material e métodos Mudas de Spondias dulcis Forst. F. (Anacardiaceae) e Joannesia princeps Vell. (Euphorbiaceae) foram expostas, durante cinco e dez dias consecutivos, respectivamente, a 18,7mm diários de precipitação numa câmara de simulação seguindo metodologia adotada por Silva et al. [4]. A chuva com flúor foi preparada adicionando-se fluoreto de potássio em água deionizada (15mg.L-1). No tratamento controle utilizou-se somente água deionizada pH=6,0. Diariamente, foram feitas observações e registros do aparecimento e localização das injúrias relacionadas à ação do flúor. Na análise visual foi considerada a quantidade de folíolos injuriados, seguindo escala proposta por Silva et al. [4]. A altura das plantas foi avaliada antes e 24 horas após o experimento. Para a quantificação do conteúdo de flúor na matéria seca foram coletadas amostras foliares das plantas, 24 horas após a última chuva. As amostras foram previamente secas em estufa, a 70ºC, e em seguida, moídas e submetidas à extração em ácido perclórico 0,1 M, utilizando-se o ajustador de força iônica para determinação potenciométrica do teor de flúor, com eletrodo específico. O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado com cinco repetições por tratamento.  Para os estudos microscópicos foram coletados fragmentos de porções sem injúria visual de cinco plantas, de cada uma das espécies, 24 horas após o término das simulações. Amostras de folhas em expansão destinadas à microscopia eletrônica de varredura (MEV) foram fixadas em solução de glutaraldeído (2,5%), paraformaldeído (4%) em tampão cacodilato de sódio (pH 7,2) acrescido de cloreto de cálcio 5mM [5]. Posteriormente, as amostras foram pós-fixadas em tetróxido de ósmio 1%, desidratadas em série etílica e secas ao ponto crítico. Após cobertura com ouro, em metalizador Bal-Tec (modelo FDU010), o material vegetal foi documentado utilizando microscópio eletrônico de varredura Zeiss (modelo LEO 1430VP). Para caracterização estrutural, amostras de folhas em expansão foram fixadas em FAA70, desidratadas em série etílica/butílica e incluídas em parafina histológica. Cortes transversais, com 10µm de espessura foram obtidos em micrótomo rotativo (modelo Spencer 820). Os cortes foram desparafinizados, corados com fucsina básica (0,1%) e azul de astra (1%) e montados em Permount. As lâminas foram observadas e documentadas em fotomicroscópio Olympus (modelo AX70TRF).   Resultados Seis dias após o início do tratamento, folhas de J. princeps apresentavam poucas áreas necrosadas em resposta ao flúor (Tabela 1). Já em S. dulcis, necroses marginais e apicais ocupavam grande parte das folhas 24 horas após a primeira chuva (Tabela 1). Cinco dias após o início do tratamento com flúor, as mudas de S. dulcis apresentaram intensa abscisão foliar, fato não observado para J. princeps.  O crescimento em altura foi 49% menor nas mudas de J. princeps expostas ao flúor, em comparação com o tratamento controle (Tabela 1), não sendo possível avaliar este parâmetro em S. dulcis, já que as plantas submetidas Aspectos morfoanatômicos da fitotoxidez do flúor em duas espécies arbóreas tropicais Bruno Francisco Sant’Anna-Santos1 e Aristéa Alves Azevedo2  Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 48-50, jul. 2007  49ao poluente apresentaram aspecto retorcido após cinco dias de exposição ao poluente. O conteúdo de flúor na matéria seca foi cerca de quatro e 12 vezes maior do que no tratamento controle, em J. princeps e S. dulcis, respectivamente (Tabela 1).  A erosão das ceras epicuticulares foi observada nas duas espécies (Figs. 1B e 1D). S. dulcis exibiu uma maior freqüência de alterações nas amostras observadas ao MEV, do que J. princeps, e uma maior diversidade de sintomas, como ruptura da crista estomática e colonização por fungos (Figs. 1D e 1E). J. princeps apresentou, no tratamento com flúor, as células da epiderme com formato côncavo não-usual (Fig. 1G), quando comparada com o controle (Fig. 1F). O mesofilo, no tratamento controle, possui de cinco a seis camadas de células de parênquima lacunoso (Fig. 1F) observando-se, no tratamento com flúor, apenas três a quatro camadas (Fig. 1G), com expressiva redução na espessura da lâmina foliar, como mostrado nas figuras 1G e 1F (com mesma magnificação). Nas folhas de S. dulcis também houve redução na espessura da secção transversal das folhas expostas ao poluente (Fig. 1I), em comparação com o tratamento controle (Fig. 1H). As células do floema, e do parênquima próximo ao feixe, apresentam-se colapsadas ocorrendo escurecimento da região, que se cora mais intensamente pela fucsina (Fig. 1K) possivelmente devido ao acúmulo de compostos fenólicos [4].  A maior intensidade de sintomas nas folhas de S. dulcis indicam maior susceptibilidade, provavelmente, por acumular mais flúor do que J. princeps. Em algumas espécies vegetais existe uma relação entre o maior grau de injúria e as taxas elevadas de acúmulo [4]. O aparecimento de lesões características da influência deste elemento químico, além de danos microscópicos consideráveis, sugere a utilização de J. princeps no monitoramento de ambientes poluídos na condição de biosensora. Apesar dos sintomas visuais observados em S. dulcis e J. princeps já terem sido relatados por Silva et al. [4] em doses elevadas de flúor, este trabalho confirma sua sensibilidade em concentração duas vezes menor. S. dulcis tem se revelado uma espécie muito sensível ao flúor e estudos em campo estão sendo desenvolvidos para a avaliação do seu potencial na bioindicação de ambientes impactados por este poluente.  Referências [1] OLIVA, M.A. & FIGUEIREDO, J.G. 2005. Gramíneas bioindicadoras da presença de flúor em regiões tropicais. Revista Brasileira de Botânica, 28: 389-397. [2] WEINSTEIN, L.H. & DAVISON, A.W. 2003. Native plant species suitable as bioindicators and biomonitors for airborne fluoride. Environmental Pollution, 125: 3-11. [3] DE TEMMERMAN, L.; BELL, J.N.B.; GARREC, J.P.; KLUMPP, A.; KRAUSE, G.H.M. & TONNEIJCK, A.E.G. 2004. Biomonitoring of air pollutants with plants – considerations for the future. In: KLUMPP, A.; ANSEL, W.; KLUMPP, G. (Eds.). Urban air pollution, bioindication and environmental awareness. Cuvillier Verlag, Göttingen. p.337-373. [4] SILVA, L.C.; AZEVEDO, A.A.; SILVA, E.A.M. & OLIVA, M.A. 2000. Flúor em chuva simulada: sintomatologia e efeitos sobre a estrutura foliar e o crescimento de plantas arbóreas. Revista Brasileira de Botânica, 23: 383-391. [5] KARNOVISKY, M.J., 1965. A formaldehyde-glutaraldehyde fixative of high osmolarity for use in electron microscopy. Journal of Cellular Biology, 27: 27-137.  Tabela 1. Acúmulo de flúor, taxa de crescimento diário e sintomas visíveis observados em folhas de espécies arbóreas expostas a chuva com flúor (15mg.L-1). Abreviaturas: * (não foi possível efetuar as medições devido ao aspecto retorcido das plantas), - (ausência de sintomas), + (necroses e cloroses em menos de 5% das folhas), +++ (necroses e cloroses entre 50 e 70% das folhas).  Espécies Conteúdo de flúor na matéria seca (µg.g-1) Crescimento em altura (mm.dia-1) Sintomas visíveis  Joannesia princeps Spondias dulcis Joannesia princeps Spondias dulcis Joannesia princeps Spondias dulcis Controle 0,97b 2,01b 1,14a 1,76 - - Flúor 4,05a  25,62a 0,58b  * + +++ Médias seguidas da mesma letra, na coluna, não diferem entre si pelo teste F a 5% de probabilidade.   Figura 1. Efeitos do flúor na micromorfologia (Figs. 1A-1E) e estrutura foliar (Figs. 1F-1K) de Joannesia princeps e Spondias dulcis. Figs. 1A e 1B. J. princeps: face abaxial da epiderme. Fig. 1A. Tratamento controle: estômatos (seta). Fig. 1B. Flúor: ceras epicuticulares erodidas (*). Figs. 1C-1E. S. dulcis: face abaxial da epiderme. Fig. 1C. Tratamento controle: estômatos (seta). Figs. 1D e 1E. Flúor. Fig. 1D. Erosão de ceras epicuticulares (*) e hifa fúngica (seta). Fig. 1E. Ruptura da crista estomática (seta). Figs. 1F e 1G. J. princeps: secções transversais. Fig. 1F. Tratamento controle: região entre a margem e a nervura mediana. Fig. 1G. Flúor: células da epiderme com aspecto côncavo (seta) na face adaxial. Figs. 1H-1K. Spondias dulcis: Secções transversais. Fig. 1H. Tratamento controle: região entre a margem e a nervura mediana. Fig. 1I: Flúor: espessura da lâmina foliar reduzida. Fig. 1J. Tratamento controle: nervura mediana. Fig. 1K. Células plasmolisadas com acúmulo de compostos escuros. Abreviaturas: eb, face abaxial da epiderme; ed, face adaxial da epiderme; es, estômatos; pl, parênquima lacunoso; pp, parênquima paliçádico; xi, xilema.  Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 48-50, jul. 2007  50  

Aspectos morfoanatômicos da fitotoxidez do flúor em duas espécies arbóreas tropicais

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